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José Silva Pinto: “Encantam-me todos os fotógrafos que nos obrigam a reflectir e questionar a vida”

Nasceu no Lobito e o interesse pela fotografia surgiu por um mero acaso. Há 13 anos que se dedica em exclusivo a esta arte, fruto da experiência de vida, e das muitas viagens que já fez ao longo dos anos. Admite que já enfrentou muitos desafios durante a sua carreira, mas reconhece que o maior de todos é ver reconhecida a importância do trabalho fotográfico no país, “de forma justa e a tempo e horas”. José Silva Pinto, o fotógrafo que é uma referência nacional e uma inspiração para os amantes da fotografia, afirma que ainda tem um longo caminho a percorrer. Aos 58 anos, os planos passam por “continuar a fotografar muito”, não só Angola mas também África, e conhecer Índia e China, sempre com a máquina fotográfica na bagagem.

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José, em primeiro lugar fale-me de si… Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, os seus estudos…

Nasci no Lobito e cresci em Luanda, Ndalatando, Lubango e depois fui para Lisboa. A minha infância e adolescência foram normais. Estudei em Luanda, Lisboa e na Suíça. 

Quando surgiu o gosto pela fotografia? Foi influenciado por alguém?

O interesse pela fotografia surgiu por acaso, ao folhear os jornais e revistas que o meu pai trazia para casa. O exercício era simples e consistia em construir uma narrativa, inventando uma história minha, a partir das fotografias que via publicadas nos ditos jornais e revistas. Daí até ter uma câmara minha passaram alguns anos, e depois foi fotografar sempre que podia, e contar as minhas histórias com imagens.

Que fotógrafos tem como referência e inspiração, e qual o tipo de fotografia que mais gosta de fazer?

Todos os fotógrafos devem ter o seu próprio processo criativo, e cada um de nós tem uma percepção muito particular daquilo que o rodeia. A mim, pessoalmente, encantam-me todos os fotógrafos que com a sua arte nos obrigam a reflectir, e nos levam a questionar a vida. Gosto obviamente de muitos fotógrafos, e não seria justo citar só alguns, até porque sigo com bastante interesse o que se passa na fotografia, quer internamente quer lá fora. Em Angola, por exemplo, acho muito interessante o projecto VêSó, por serem na sua maioria fotógrafos amadores com uma linguagem fotográfica muito coerente e forte, que me faz pensar que a fotografia que se está a fazer por cá afinal está viva.  

O José é um homem viajado, e antes de voltar ao país passou por países como a Alemanha, França, Vietname, Camboja, Gabão, e até pela ex-URSS. De que forma essas viagens e experiências vividas contribuíram para o seu trabalho fotográfico?

Dizem que a obra de um fotógrafo é o resultado de tudo o que esse mesmo fotógrafo viveu, viu, sentiu, ouviu, experimentou, leu… As experiências vividas influenciam determinantemente a forma como vemos e sentimos o que nos rodeia, logo o meu trabalho é também fruto da minha vivência, da minha experiência enquanto homem.

Em 2000 regressou ao nosso país, e desde então dedica-se exclusivamente à fotografia. Porque decidiu escolher Angola para se dedicar a essa paixão? O nosso país oferece algo de diferente, para os amantes da fotografia, ou quis apenas voltar às origens?

Regressei ao país em 2000 vindo do Vietname, mas não me dediquei de imediato à fotografia, porque antes disso ainda trabalhei durante alguns anos na área dos petróleos. A decisão de me dedicar inteiramente à fotografia surgiu a partir de finais de 2004. Escolhi Angola por ser o país onde nasci e de onde ausentei por muitos anos. O nosso país, como todos os outros, tem as suas particularidades e oferece, como todos os outros, oportunidades para quem gosta de fotografar. A única coisa que há de especial no nosso país são sim as pessoas.

Para além de exposições na capital, já mostrou o seu trabalho em cidades como Tóquio e Seul. Qual foi a sua melhor exposição até ao momento?

Todas as minhas exposições foram boas, eu pelo menos gostei delas todas. Nenhuma foi melhor que a outra, até porque aconteceram em momentos diferentes da minha vida, em espaços e ambientes completamente diferentes, e em contextos também muito diversos.

O José tem um talento natural para capturar a essência das pessoas e lugares que fotografa. O que é necessário para conseguir uma boa fotografia?

Amar e respeitar o que se faz, ser capaz de ver e sentir o que nos rodeia, ser capaz de esperar pelo momento certo, ser capaz de repetir até conseguir aquilo que se quer, ser perseverante. Colocarmo-nos na pele do outro, respeito e consideração por aqueles que fotografamos, ajuda a percebermos o que é importante e o que devemos preservar.  

Que desafios já enfrentou enquanto fotógrafo?

Todos os possíveis e desejáveis, mas também aqueles que, para quem como eu faz da fotografia profissão, está tantas vezes obrigado a superar. Fala-se muita da fotografia feita por cá, sobretudo no Dia Mundial da Fotografia, mas depois disso pouco ou nada se faz, nada acontece. O meu maior desafio, e também dos fotógrafos nacionais, é ter trabalho, vermos o nosso trabalho respeitado, reconhecido, recompensado de forma justa e a tempo e horas. Somos sempre, ou quase sempre, mesmo por parte das instituições públicas, terceira ou quarta escolha, ou nem sequer somos escolha. Somos chamados a trabalhar quando as soluções importadas do estrangeiro não funcionam, tapamos buracos. Somos uma classe que se tem contentado com as migalhas, vive de migalhas, que não é solidária, que não partilha, que se isola e que sobretudo não se valoriza. Anda muita gente por aí iludida que se acha fotógrafo, que chega a prostituir-se em troca de alguma visibilidade. O grande desafio, é sem dúvida fazer com que todos os fotógrafos se consciencializem que o trabalho que produzem é importante, tem muito valor e que não pode ser trocado de qualquer maneira ou para qualquer fim. 

No mundo da fotografia é conhecido por Tonspi. De onde surgiu esta alcunha? Há uma história por trás desse nome?

Tonspi é igual a Pinto, mais ou menos escrito de trás para a frente, com um “s” a mais para despistar e dar uma sonoridade mais arredondada…Nenhuma história em particular, mais uma das minhas muitas brincadeiras.

O José define-se como um “aprendiz de contador de histórias”. O que é que ainda há por fazer na sua carreira fotográfica? Qual o seu grande objectivo e o seu maior sonho?

Tudo para fazer… Comecei a ser fotógrafo só há uma boa meia dúzia de anos e seria muita presunção pensar que já fiz tudo. Ainda tenho um longo caminho para percorrer, haja força e saúde para o fazer. O objectivo principal é continuar a trabalhar, viver do meu trabalho e ter possibilidade de poder viajar. Sonhos são muitos, todos os dias tenho um diferente, fazer as grandes migrações por exemplo é uma das coisas que quero fazer muito brevemente, tão logo reúna as condições necessárias para o fazer.

Falando dos seus trabalhos publicados, “Cá Entre Nós” é um acervo das gentes e locais do nosso país. Qual o seu grande objectivo com este trabalho? E que recordações e ensinamentos guarda desse grande projecto fotográfico?

“Cá Entre Nós” aparece impresso porque os amigos não se cansavam de me dizer que era uma pena aquele material não estar disponível, noutros suportes para além da web. Não é mais que o resultado de seis anos de viagens pelo país e confesso que, durante essas mesmas viagens, nunca pensei que alguma vez o material que ia recolhendo, fosse dar origem a um livro. Para mim é fotografia documental, que quem sabe um dia pode vir a ser útil como registo, para percebermos o percurso que fizemos enquanto país e enquanto pessoas. Nós mudamos todos os dias, envelhecemos, mas a fotografia não. Daqui a 100 anos estará lá igual, imutável, permanente.

Para vários amantes da mesma arte, o José é uma inspiração, e é considerado um mestre da fotografia e um dos melhores fotógrafos nacionais. O que sente por saber que é o ídolo de muitos fotógrafos amadores e profissionais? É o reconhecimento de todo o seu trabalho?

Obviamente que fico imensamente feliz por saber que gostam daquilo que faço, e se o meu trabalho serve de inspiração também o dos outros o é para mim. Não há fotografia boa e fotografia má. Há fotografia que mexe comigo e outra que não, o que não quer dizer que seja má. 

O que é que mais o seduz na arte da fotografia?

Poder transformar um determinado momento numa história, que pode ser lida de múltiplas formas por muita gente. Poder guardar esse momento para sempre, e poder sobretudo revê-lo sempre que me apetecer. 

Por fim, quais os seus planos para o futuro? Novos projectos fotográficos?

Continuar a fotografar muito, se possível também fora de Angola. Quero andar um bocado mais por África, quero visitar a Índia e a China.

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