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Viajante que fez 203 países em 10 anos passou por Angola e conheceu pessoas “gentis em todos os lugares”

O dinamarquês Thor Pedersen, 44 anos, é o primeiro homem a conseguir viajar por todos os países do mundo sem usar avião, sem interromper o percurso e sem regressar a casa, durante os dez anos em que atravessou oceanos e continentes. O viajante visitou um total de 203 países, com Angola a figurar o 102.º lugar na lista, um país que considerou “lindo de morrer” e com pessoas “gentis em todos os lugares”.

: Instagram OnceUponASaga - Thor Pedersen
Instagram OnceUponASaga - Thor Pedersen  

A sua aventura começou em Outubro de 2013, e só passado três anos é que passou por Angola. Foi em Março de 2016 que o dinamarquês chegou a solo angolano, onde ficou seis dias. Sobre Angola, disse tratar-se de um país "lindo de morrer" e com pessoas "gentis em todos os lugares".

Em entrevista à agência Lusa, confessou que o feito se revelou uma epopeia, e trouxe-lhe a paixão por São Tomé e Príncipe.

Thor Pedersen, que esteve em Portugal no último fim-de-semana de Setembro, conta que chegou há 60 dias da sua maior aventura.

Durante a viagem, sofreu de malária cerebral, em estado limite, no Gana, teve armas apontadas à cabeça no Gabão, e foi apanhado pela pandemia da covid-19 em Hong Kong, na China, o que o reteve ali durante dois anos.

Ainda sem os pés bem assentes na Dinamarca, Pedersen explica que o projecto da sua viagem foi baptizado de "Once Upon a Saga", inspirado na frase "Once Upon a Time" (era uma vez), com que o escritor Hans Christian Andersen iniciava as histórias para crianças, dando como exemplo "A Pequena Sereia". Saga, porém, é a designação tradicional das histórias da mitologia escandinava.

Questionado sobre se sentiu discriminado pela cor branca da sua pele quando esteve na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Pedersen garantiu que nunca teve qualquer problema de racismo ou xenofobia quando passou pelas antigas colónias portuguesas.

Thor tem hoje 44 anos, mas iniciou a volta do mundo aos 34 anos, com as premissas de nunca usar avião, não regressar a casa durante o projecto e estar no mínimo 24 horas em cada um dos 203 países do mundo.

Iniciou a aventura em Outubro de 2013, o ano em que esteve em Portugal, chegando a 28 de Outubro e ficando durante três dias.

Thor escreveu, na altura, que Portugal era "mais pobre que Espanha" e que Lisboa precisava de uma "boa pintura".

"É uma cidade realmente encantadora que foi quase completamente destruída em 1755 pelo talvez maior terremoto de todos os tempos na Europa". Pedersen lamentou, todavia, os traficantes nas ruas que lhe tentaram vender drogas.

Chegou a São Tomé e Príncipe em Novembro de 2015 e ali ficou exactamente 36 dias, transformando aquela estadia na mais longa de todos os países da CPLP que Thor visitou na viagem da volta ao mundo.

Depois de sair de Libreville (Gabão), embarcado no navio Spínola Carneiro, Thor desembarcou na Ilha de São Tomé, o 99.º país do seu percurso. Avistou a Cruz Vermelha e conheceu Julião, o homem que o ajudou a encontrar uma loja para comprar um cartão SIM para telefonar.

"Algo havia mudado. Não consigo identificar exactamente o porquê. Mas eu sabia que estava num sítio especial", lê-se na sua página da Internet "Once Upon a Saga".

O lema da viagem de Thor é que "um estranho é um amigo que tu nunca tinhas conhecido antes" e Julião foi uma prova de que um estranho pode bem ser um amigo para a vida.

Thor classifica São Tomé e Príncipe como um país "mágico".

"Não posso deixar de sublinhar o quão maravilhoso é São Tomé. Já vi muitos países e sou tratado com gentileza e respeito onde quer que vá. Mas em São Tomé sinto-me bem-vindo. E esse é um sentimento diferente. Tive essa sensação desde o início e ela persiste onde quer que vá. São Tomé é um lugar super seguro. Pode-se dormir directamente na praia ou dar um passeio no parque no meio da noite sem problemas. A ilha produz chocolate. Pelo amor de Deus, o que mais é preciso saber?"

Antes de se apaixonar por São Tomé, Thor chegou ao Brasil em Setembro de 2014 e ficou 20 dias, naquele que seria o 59.º país em 12 meses, desde o início da epopeia. Visitar a Favela Parada de Lucas, no Rio de Janeiro, protegido pelas insígnias da Cruz Vermelha, não sentiu "hostilidade" ou "medo".

Pedersen visitou Brasília, Porto Velho e Manaus, na Amazónia.

Em África, num pequeno barco à vela, Thor seguiu do Senegal até Cabo Verde, país onde chega em 2015, visitando apenas a Ilha de Santiago, destacando a Igreja da Nossa Senhora do Rosário, o edifício mais antigo do arquipélago.

"Cabo Verde não é um país financeiramente rico, mas possui uma grande riqueza de gentileza, paisagens espectaculares, terras férteis, atum incrivelmente bem preparado, música, amor ao futebol. É uma terra que se estende dos muito ricos aos muito pobres e podemos ver ambos ao caminhar pelas ruas".

À Guiné-Bissau chegou em Maio de 2015 e ficou quatro dias em regime de 'couch-surfing' (sofá para dormir), em casa de uma brasileira de ascendência japonesa que trabalhava na delegação da Organização das Nações Unidas em Bissau.

Thor recorda uma "capital simples", de "clima húmido", com construção a acontecer por toda a parte e destaca a natureza "selvagem e espectacular" e a castanha de caju, a grande área de negócio.

Depois de sair de Kinshasa (Congo), atingiu Angola em Março de 2016, o país 102.º da sua rota, onde ficou seis dias.

Angola é um país "lindo de morrer", "grande", com pessoas "gentis em todos os lugares", com uma comida "óptima" e uma música "imbatível".

Segundo Pedersen, Angola estava marcada pela guerra civil, que terminou em 2002, com o tema ainda a surgir em conversas com pessoas diferentes.

Um mês após Angola, em Abril de 2016, chegou a Moçambique onde ficou em casa de uma família dinamarquesa, em Maputo.

Pedersen conta que "infelizmente" teve de alterar o roteiro inicial por Moçambique devido aos ataques terroristas de grupos armados, já patentes na altura e que atingem maior dimensão em Outubro do ano seguinte, no Norte do país.

Thor planeou viajar pela costa de Maputo (capital, no Sul), até à cidade da Beira (mais a Norte), mas achou perigoso e regressou a África do Sul, para alcançar o Zimbabué.

Apesar do conflito, o aventureiro dinamarquês destaca a "boa" gastronomia e a cultura, a história "alucinante" e a natureza com "potencial extraordinário" do país de língua portuguesa da costa oriental de África.

"Moçambique poderia facilmente tornar-se o próximo destino turístico badalado (...) Mas parece que continuará por um tempo como um segredo bem guardado".

O viajante chegou a Timor-Leste em Setembro de 2019, onde ficou 10 dias, conseguindo reencontra-se pela 21.ª vez com a namorada desde que havia começado o projecto.

Timor estava pouco desenvolvido turisticamente, mas tinha muito para oferecer. Um país "extraordinariamente amigável" e "completamente seguro".

Depois de Timor, o seu 187.º país, faltavam outros 16 para Thor terminar a viagem aos 203 países do mundo, e poder regressar a casa.

Regressou há pouco mais de 60 dias são e salvo.

A 24 de Maio deste ano, atingiu as Maldivas, o seu 203.º país, regressando à Dinamarca a bordo de um cargueiro, via Malásia e Sri Lanka. Pedersen, que viajou como embaixador de boa vontade da Cruz Vermelha dinamarquesa, atingiu o porto de Asrhus, na Dinamarca, no passado dia 26 de Julho.

O facto de ter viajado por todos os países do mundo – os 195 Estados soberanos reconhecidos pelas Nações Unidas, mais oito parcialmente reconhecidos – sem voar e sem interromper o percurso, transforma-o num caso único, ultrapassando o britânico Graham Hughes, reconhecido pelo Guiness Book of Records, que esteve em 201 países, sem voar, numa viagem que durou cerca de quatro anos (2010-2014), mas que interrompeu por duas vezes, por motivos pessoais.

Agora, Thor Pedersen planeia escrever um livro sobre a viagem e produzir um documentário, com o realizador e produtor canadiano Mike Douglas.

Thor esteve em Portugal no passado fim-de-semana, para participar no festival de viagens, organizado pela Associação de Bloggers Portugueses (ABVP), em Guimarães.

Viajante aconselha jovens a confiar na intuição

Thor Pedersen aconselhou os jovens que queiram viajar a acreditar nas pessoas, na própria intuição e "sorrir muito".

Em entrevista à agência Lusa após regressar da viagem à volta do mundo que durou 10 anos, o dinamarquês disse que o melhor conselho que pode dar aos jovens que queiram viajar é que se realmente têm esse desejo que "sigam o plano e façam acontecer".

"Muitas pessoas encontram desculpas. Uma vez lá fora, tu deves permanecer positivo, aberto e sorrir muito. Garanto que isso mudará o teu mundo. Experimenta a comida local, aprende um pouco o idioma local e usa-o sempre que puderes", referiu.

O primeiro homem a conseguir viajar por todos os países do mundo sem usar transporte aéreo e sem regressar a casa deixa ainda outras dicas, como por exemplo, confiar nas pessoas, mas antes de mais confiar na própria intuição.

"O mundo não é um lugar totalmente seguro, embora eu afirme que a grande maioria das pessoas que conhecemos são pessoas de bom coração e bem-intencionadas", acrescentou.

Questionado sobre quais as grandes lições dos últimos dez anos a viajar pelo mundo em contacto com centenas de pessoas diferentes, Thor destacou a confirmação da verdade do lema do seu projecto Once Upon a Saga, que diz que "um estranho é um amigo que tu nunca conheceste antes".

"Lidar com pessoas de todo o mundo é como jogar na lotaria invertida, onde tu ganhas o tempo todo. É possível perder, mas isso quase nunca acontece e é totalmente contra todas as probabilidades. Pessoas são apenas pessoas, preocupadas com as coisas comuns, como cuidar da família, envolver-se no trabalho, escola, desportos, música, na comida. Descobri que há verdade no lema da Saga: um estranho é um amigo que você nunca conheceu antes", considerou.

Sobre se recomendaria um dia a um filho seu uma aventura igual, Thor Pedersen foi perentório e disse que não recomendaria.

"A minha vida esteve em risco diversas vezes e eu não recomendaria isso. O projecto deu muito trabalho, foi altamente stressante".

No entanto, recomendou a todos para que viajem tanto quanto possível para conhecer "mais pessoas", "conhecer mais o mundo", "aprender coisas novas", "fazer novos amigos" e a tornarem-se "muito mais educados e tolerantes com as pessoas e culturas".

Pedersen sublinhou, todavia, que está "feliz" por ter decidido fazer o projecto de viajar por todos os países do mundo sem usar o avião e por ter concluído a jornada com "sucesso".

Durante a realização do projecto, Thor sofreu de malária cerebral, teve a vida em risco mais do que uma vez, pediu a sua namorada em casamento e que actualmente é a sua esposa e resistiu à tentação de desistir do projecto e regressar a casa de avião.

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