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Batida quer “provocar um início de conversa” com o álbum “Neon Colonialismo”

Batida (Pedro Coquenão) edita esta Sexta-feira um novo álbum, pela editora belga Crammed Discs, cujo título, “Neon Colonialismo”, é um “jogo de palavras” que se transformou num objecto, com o qual pretende “provocar um início de conversa”.

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O álbum, que conta com a participação de artistas como Mayra Andrade, Bonga e Branko, começou por ser "um jogo de palavras, que ainda por cima tem uma imagem associada, e tem tanta intenção que até chega a ser um objecto que é construído", contou Pedro Coquenão em entrevista à Lusa.

"Quando comecei foi mesmo só 'esta frase é fixe para provocar um início de conversa, para dizer, para usar", contou. Depois, a "provocação com palavras" "Neon Colonialismo" acabou ser transformada num objecto visual, um néon que foi feito "para não funcionar bem".

"Tecnicamente arranjei maneira de a peça ter essa componente de não estar a funcionar bem, porque eu não queria que fosse confundida com uma coisa que está a funcionar bem. Não queria ser tão sarcástico assim", partilhou Pedro Coquenão.

O objecto esteve exposto em Setembro no festival Iminente, em Lisboa, onde foi fotografado para a capa do disco, que está disponível nas plataformas digitais e foi editado em CD e vinil, com distribuição na Europa, nos Estados Unidos e em algumas partes da Ásia, nomeadamente no Japão.

"Para mim, é uma maravilha poder ter essa ferramenta e poder provocar, e depois transformar num programa de rádio, num disco. Acaba por ser mais ou menos o que tento fazer em todos os meus trabalhos", disse.

Pedro Coquenão aceita que "nos últimos anos tem havido uma preocupação maior" com a temática do colonialismo, mas salienta que "isto é uma caminhada longa, que é feita de mais tentativas de encobrimento do que propriamente o oposto".

"Então, ainda que haja aqui e ali gestos às vezes políticos e tentativa de melhorar as coisas, acaba por persistir uma média muito negativa de práticas e de não reconhecimento", afirmou.

A conversa que o jogo de palavras "Neon Colonialismo" pretende provocar "pode ir num sentido ou no outro, da luz ou da segunda palavra e falar-se um bocadinho mais sobre isso".

"Porque não podemos satisfazer-nos com conversas recentes e gestos recentes de coisas, que ainda estão em cima de um podre, sujo, escuro, e de sangue e violência, e que não desaparecem de um dia para o outro, nem numa geração, nem com duas ou três leis. Desaparecem com práticas repetidas e, acima de tudo, sentidas", disse Pedro Coquenão, que nasceu em Angola, foi criado nos arredores de Lisboa e tem desenvolvido trabalho nas áreas da música, rádio, dança, artes visuais e artes plásticas.

Para o artista, em Portugal, a discussão sobre colonialismo "muitas vezes é mais académica, é feita mais no campo do historiador, do activista social, mais no campo de quem sofre e teve a possibilidade de pensar sobre isso".

"Porque quem vive, muitas vezes nem tem consciência do que é aquilo de que está a ser vítima de, ou das dificuldades com que se está a confrontar", defendeu.

Em Portugal "ainda estamos um bocadinho em fases iniciais de conversa, ainda estamos a medo, e a tornar notícia de cada vez que 'o político tal pediu desculpa' ou 'o senhor tal da igreja disse que isto foi de facto complicado aqui nesta ilha'".

"Ainda estamos nesse momento. E é importante que tenhamos essa noção de que isso é notícia, e deveria ser mais, mas ainda é notícia, ainda estamos a assinalar de cada vez que alguém diz 'peço desculpa'. Ainda estamos nessa fase, em que há alguém que manifesta um arrependimento, que é um bom primeiro passo, mas se calhar também é justo que se aceite da parte dos outros alguma impaciência, ou da maioria até se calhar uma distância, que nem percebem do que estão a conversar", afirmou.

"Neon Colonialismo" é composto por dez temas, que "têm uma linha, mas que não estava traçada conscientemente".

"Quando ouvi as músicas e comecei a vê-las a juntarem-se, elas conseguiam dialogar entre si. Houve uma ou outra que foi sacrificada e ficou de fora, precisamente para poder conferir ao disco um diálogo mais óbvio e mais consistente", partilhou.

Para reforçar essa consistência, na fase de mistura e finalização, Pedro Coquenão deu ao disco uma "textura que tem qualquer coisa entre anos 1980 e anos 1990".

No álbum "há qualquer coisa de fita, de cassete" que, "faz com que as músicas dialoguem esteticamente entre si". Além disso, "há instrumentos comuns que podem fazê-las parecer dialogantes".

"Neon Colonialismo" conta com uma série de convidados, tudo artistas com quem Pedro Coquenão já se tinha cruzado, "mas com muitos deles – como Mayra Andrade, Poté, Nástio Mosquito, DJ Dolores - não tinha concretizado nada".

"A única com quem nunca me tinha cruzado foi a Lia de Itamaracá. E repetente há só um, que é o Luaty Beirão, que era a primeira vez que não ia participar num trabalho meu. Mas acabámos por pegar numa música que ia ser instrumental e num instante passou a música com letra", contou.

Mayra Andrade participa no tema "Bom Bom", que tem passado nas rádios, mas no álbum surge numa versão diferente, "mais aproximada daquilo que nos anos 1980 e 90 se chamava de versão extensa, a 'extended version'".

"É um bombom para quem compra ou ouve agora o disco, e não ser só 'esta já conheço, vou passar à frente', e perceber 'há aqui uma coisa nova'. Aquela entrada da música serve para honrar o que conseguimos em termos de arranjo musical, mas poder só dizer coisas e nós termos que esperar, porque o que ela diz e como diz é tão bonito que pode sustentar 30 segundos de uma canção sem urgência de arrancar logo para qualquer coisa que eu perceba, fixe, entenda e queira assobiar logo a seguir. E também tem um fim diferente. Acaba com uma dança infinita que não tem um fim", explicou.

Bonga era "e é" um super-herói, que Pedro Coquenão via na televisão quando era criança e parecia "inalcançável", mas, entretanto, passou a fazer parte da sua vida e da sua equipa.

"Neon Colonialismo" será apresentado ao vivo em dois formatos: Pedro Coquenão "a cruzar discos enquanto DJ" ou "num palco com várias dimensões: dança, vídeo, palavra música".

A data de apresentação é em Paris no Sábado, e até ao fim do ano será sempre em formato DJ, mas em 2023 "coexistem os dois formatos" e Pedro Coquenão espera "apresentar o álbum ao vivo em Portugal e em Angola".

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