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Rui Tavares: “Mais do que uma paixão a fotografia é hoje uma necessidade, faz parte de mim”

Angola e Portugal, por onde foi crescendo, são apenas dois dos sete países onde já partilhou o seu talento. Em criança queria ser astronauta, mas foi por volta dos 16 anos que a sétima arte despertou em si o interesse pela fotografia. Apaixonado por “interagir com a criação de outros”, captando momentos em palco, como no teatro, ou através da musica, vídeo e moda, admite que cria para si mesmo e só depois para os outros. Aos 45 anos, o fotógrafo que já dedicou mais de 25 à imagem e divulgação da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, tem desenvolvido alguns trabalhos sobre arte e artesanato africanos, tema que espera continuar a explorar. Para este ano, tem em agenda exposições, diferentes e únicas, até porque para Rui Tavares “a melhor exposição é sempre a última, que será sempre ultrapassada pela próxima”.

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Rui, antes de mais fale-me um pouco de si... Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, que idade tem, os seus estudos...
 
Esta é sempre a parte complicada destas coisas, falar de mim. Então é assim, nasci em Hamburgo, Alemanha, sou angolano e tenho 45 anos. Tenho vivido sempre entre Angola e Portugal, onde passei a maior parte da infância e adolescência e completei o ensino primário e secundário. Apesar da minha vida profissional ter estado quase sempre ligada à fotografia, a minha formação académica é em arquitectura. Comecei o curso na Universidade Agostinho Neto em Luanda, passei para a Universidade Gallecia em Vila Nova de Cerveira, para finalmente acabar na Universidade Lusófona em Lisboa. Até ver...
 
De onde veio o gosto pela fotografia? É uma paixão?

O gosto pela fotografia começou por volta dos 16 anos, e houve um filme que teve um papel fundamental, “A Insustentável Leveza do Ser”, uma adaptação do livro com o mesmo título. Entre os vários elementos da história, havia uma personagem que fazia fotografia, e foi a partir do seu olhar que me despertou o interesse pelo tema, como forma de partilhar emoções e ideias. Mais do que uma paixão é hoje uma necessidade, faz parte de mim.

Era um sonho de criança ser fotógrafo?

Os meus primeiros interesses andavam à volta da escrita e do desenho, a fotografia veio depois. Em criança acho que queria ser astronauta... 
 
Quais as suas influências? Tem algum artista ou fotógrafo que o inspire?

As minhas influências são múltiplas e variadas. Da pintura ao cinema, da literatura às artes cénicas. A música é um elemento transversal a todo o meu processo criativo. É complicado destacar algo em particular, pois tudo se combina de forma orgânica, indistinta e em constante mutação ao longo do tempo. 
 
Como surgiu o interesse pela fotografia de dança?

Através de uma música, “Unicórnio Azul”, de Sílvio Rodrigues. Estava a passar na TPA o anúncio do espectáculo “A propósito de Lwéji”, do então Conjunto Experimental de Dança [CED], mais tarde designado Companhia de Dança Contemporânea de Angola [CDCA], no Teatro Avenida. Desse anúncio fazia parte um excerto da coreografia “Unicórnio”, com a referida música, e não descansei enquanto não fui assistir ao espectáculo e fazer algumas fotos. Continuei a trabalhar com o CED, mais tarde tornei-me membro fundador e responsável de imagem e divulgação da CDCA e continuo nessa função até hoje.

Para além da fotografia de dança e da criativa, que outros tipos de fotografia gosta e costuma fazer?
 
Como profissional de fotografia já fiz e continuo a fazer os mais variados tipos de fotografia, mas aquilo que mais gosto de fazer é poder interagir com a criação de outros (teatro, musica, vídeo, moda, etc.) em palco ou em locais não convencionais. Outro tema que me fascina é o da arte e artesanato africanos. Tenho trabalhado com e para alguns museus e coleccionadores e espero poder continuar a desenvolver o meu trabalho nesta área.
 
Falando um pouco dos seus trabalhos fotográficos... De todos os projectos que já esteve ou está envolvido a nível nacional, qual ou quais os que destaca como mais contributivos para a sua realização profissional? E projectos no estrangeiro qual destaca?
 
O projecto a nível nacional mais significativo, é sem dúvida o meu trabalho com a CDCA, como responsável de imagem e divulgação. Trata-se de um percurso de 25 anos, que me ajudou a desenvolver e definir como profissional e criativo.

A nível internacional, o projecto mais gratificante foi o convite para participar no livro “Anthology of African and Indian Ocean Photography”, edição Revue Noire. Este projecto pretendia fazer um resumo da história da fotografia africana e de origem africana, desde os primeiros registos no século XIX até ao final do século XX. A participação neste livro foi a oportunidade, na altura, de apresentar o meu trabalho fora do continente, e por isso fundamental no meu percurso artístico.

Utiliza diversas técnicas e combina diferentes materiais, fazendo dos seus projectos algo único e original. Que mensagem tenta passar com o seu trabalho fotográfico?
 
Bem, a utilização de diferentes técnicas e materiais faz parte do meu processo criativo, não pretendo passar uma mensagem específica nesse sentido. De resto, existe sempre uma ideia ou conceito a servir de suporte, em cada trabalho que realizo, mas em vez de indicar caminhos prefiro dar a liberdade a cada um para construir o seu.
 
Participou em várias exposições, individual e colectivamente, tanto em Angola como no estrangeiro. Qual foi a melhor exposição de sempre e porquê?

Para mim a melhor exposição é sempre a última, que será sempre ultrapassada pela próxima... 
 
Já foi distinguido com prémios e menções… Qual a sua opinião sobre os prémios confinados à fotografia? E qual o que lhe deu mais gozo receber?
 
O trabalho que faço em fotografia é essencialmente pessoal, faço porque gosto e haver pessoas dispostas a vê-lo é o prémio mais importante. Na minha primeira exposição em Angola, perguntei a um professor meu de arquitectura o que tinha achado, ao que este me respondeu que o meu trabalho, a ter algum valor, só iria ser reconhecido bastante tempo depois de eu ter desaparecido, por isso eu não devia me preocupar com essas coisas...

Sei que os prémios servem para reconhecer e incentivar o trabalho dos artistas, mas depois vejo a forma como certos prémios são atribuídos, e interrogo-me acerca dos critérios pelos quais se regem, e se alguma vez eu gostaria de ser associado aos mesmos. Já fui júri de alguns concursos de fotografia, e sei como podem ser aleatórias as decisões dos mesmos.

Ainda assim, houve um concurso que me deu imenso gozo ganhar, principalmente devido ao momento e à surpresa. Andava na fotografia há poucos meses e utilizava o laboratório fotográfico da minha escola, em Almada, para fazer as minhas primeiras experiências. Alguns colegas pegaram em algumas fotos sem eu saber, e inscreveram-me num concurso de fotografia a nível das escolas da região. Quando chegou o dia da exposição com os trabalhos participantes, não pude deixar de ir, levado pelo meu recente interesse no tema. Qual não é a minha surpresa ao encontrar as minhas fotografias na exposição, e ainda por cima tinham ganho o primeiro prémio do tema livre, na categoria preto e branco e a cores...
 
Há algum prémio que gostaria de ver ser-lhe atribuído?

Sim, o Euromilhões. Não imaginam o jeito que dava... (risos)
 
Onde é que ainda não esteve com a sua câmara e gostaria de estar?
 
Em todos os sítios onde ainda não estive, com ou sem câmara. A fotografia é para mim mais do que registar lugares ou momentos, para isso basta-me a memória, e há mesmo instantes que foram feitos para se perderem no efémero. Posso sair pelo mundo para depois criar no meu quarto.
 
Que desafios já enfrentou enquanto fotógrafo?
 
Imensos, mas um dos que mais me marcou e exigiu de mim, foi ser convidado para dar aulas na Escola Nacional de Artes Plásticas de Luanda. Estávamos em 1995, o país estava em guerra e foi necessário criar e apetrechar o laboratório fotográfico, a biblioteca de apoio e o próprio programa curricular. Era a primeira vez que se introduzia a disciplina de fotografia no currículo da escola, e tinha de criar o conteúdo programático, sem nunca ter tido qualquer formação académica na área. Consegui apoio da Cooperação Francesa para equipar o laboratório e biblioteca, mediante a sua aprovação do programa curricular. E durante um ano dei aulas e formei alguns alunos mais avançados para prosseguir o trabalho, uma vez que teria de me ausentar do país, para continuar os meus estudos de arquitectura.

Depois de eu sair a escola passou da tutela do Ministério da Cultura para o Ministério da Educação, e todo o equipamento e material de apoio desapareceu, incluindo o meu próprio equipamento fotográfico, laboratório e arquivo fotográfico. Até hoje continua a não haver disciplina de fotografia na escola de artes plásticas.

Como é ser fotógrafo em Angola?
 
Eu penso que ser fotógrafo em Angola é igual como em qualquer parte do mundo. Tirando o facto de ser em Angola... Ou seja, além dos desafios que a maioria dos fotógrafos enfrenta hoje pelo mundo, ainda temos todos os desafios que o país enfrenta. E isto dava tema para um tratado de ciências sociais...

O que é que pretende fazer com a sua fotografia? Definiu algum objectivo?

O objectivo mantém-se o mesmo, acho eu. Criar... Criar para mim, para me surpreender, e depois partilhar, esperando suscitar o interesse das pessoas. Continuar a absorver o mundo para depois me diluir de volta. Além de Angola e Portugal já apresentei o meu trabalho em sete países e três continentes diferentes, e gostava de aumentar essa contagem.
 
Para terminar, quais os seus planos para o futuro no mundo fotográfico? Actualmente está envolvido em algum projecto?

Neste momento, estou a trabalhar em duas exposições diferentes para este ano. Paralelamente conto também apresentar este ano a edição revista e aumentada do livro sobre a CDCA, a propósito da comemoração do 25.º aniversário da companhia.

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