Com alma de poeta e voz de cantora, deixou novamente as palavras no comando deste que é o seu terceiro álbum de originais. A estreia é já este sábado, na capital. Fez questão que assim fosse. Quis honrar um compromisso com Angola e com a música angolana. Depois disso, deixa que sejam os temas a falar por si.
Aline, aqui há tempos disse-me numa entrevista que gostava de “música com poesia e de poesia com música”. Ainda é assim?
Acho que neste disco, mais do que nunca, se cria um espaço maior para a palavra. É como se a própria sonoridade mais eléctrica amplificasse o efeito da poesia, sendo que há dois momentos no disco em que eu não canto, recito apenas as palavras. Isso foi um grande desafio. A palavra puxa pela palavra. Há uma letra que é inspirada num conto de Saramago, outra inspirada na poesia angolana...
É isso mesmo que podemos esperar do seu novo álbum de originais?
Sim, a poesia está no centro. Para os textos de “Insular” tive duas parceiras que são mulheres de palavra e da palavra, duas artistas que admiro muito. A poetisa Ana Paula Tavares deixou-me musicar um poema seu, do livro “Ex-Votos”, que deu na música “O Som do Jacarandá”, uma música cheia de cor e texturas, como a poesia da Ana Paula. E a Capicua escreveu para este disco “A Louca”, uma letra poderosamente dura, que reflecte uma realidade social de desprotecção e de violência contra as mulheres. É claro que esta estória escrita pelo punho da Capicua ganhou dimensões épicas. Apesar de todo esse potencial, procurávamos encontrar a dose certa de tudo. Passámos a gravação toda a repetir que “menos é mais”.
Depois de “Clave Bantu” e “Movimento”, este é já o seu terceiro trabalho. O que é que vê nele de diferente?
Houve aqui um imenso cruzamento de mundos diferentes e era isso que eu buscava. Primeiro, a presença do Pedro Geraldes, guitarrista dos Linda Martini, foi determinante. O Pedro vem do rock, do punk, do noise, de um lugar diferente de mim. Com ele aprendi a amplificar uma guitarra, a distorcer e a moldar o som desse instrumento. Ele é um músico super sensível e trabalhámos juntos desde o inicio do processo. Segundo, o facto de ter gravado este disco numa ilha fez toda a diferença para o resultado final. O isolamento, a paisagem da ilha de Jura, o recolhimento, o foco... tudo isso foi como uma residência artística, um laboratório criativo que deu origem a ideias que são um produto do contexto. Por outro lado, a produção musical é do Giles Perring, que tem uma imensa capacidade para esculpir ambientes e atmosferas musicais que dão uma profundidade às paisagens sonoras do disco.
Acha que este álbum é de alguma forma uma consolidação do seu espaço naquela a que chamam a “nova música angolana”?
É o meu terceiro disco e, de certa forma, pessoalmente, fecha um ciclo. Fiz questão de vir apresenta-lo primeiro a Angola pelo compromisso que tenho. Mas é um compromisso meu com a nova música angolana e não o inverso. Espero que as pessoas gostem e que os músicos da nova geração se sintam motivados a experimentar coisas novas.
“Insular”, é o nome. Quer explicar?
O disco é insular mesmo, foi gravado numa ilha, na Ilha de Jura, na Escócia. A tensão entre a fuga e o regresso, o isolamento e o contacto, a viagem de ida e de volta, está presente um pouco por todo o álbum. E para mim foi mesmo uma viagem a uma ilha desconhecida, uma descoberta, uma espécie de aventura para encontrar algo novo.
Alguma canção que se destaque entre os temas do álbum?
É difícil a escolha, nunca foi tão difícil. Todas elas são peças fundamentais para entender o disco. Juntas e naquela ordem, as músicas contam uma estória maior. Gostaria que as pessoas ouvissem todo o disco, do princípio ao fim.
Fale-nos do primeiro single.
O primeiro single será “Insular”, a música que abre o disco. É a canção que anuncia a nova sonoridade que andei a explorar e narrativamente é como um presságio de tudo o que virá a seguir, nas 10 faixas que lhe seguem. É uma música com uma luz especial.
Cruzou o oceano para gravar em Jura, uma pequena ilha da Escócia. Porque?
Foi uma sugestão do Carlos Seixas, produtor e amigo, que conheceu o Giles Perring na Womex, há uns anos. O Carlos incentivou-me muito a arriscar e a experimentar coisas novas. Mas mesmo antes dessa sugestão já andava com a ideia de “ilha” na cabeça.
Pedro Geraldes na guitarra, Ana Paula Tavares e Capicua nas letras, Giles Perring na produção. São colaborações de peso, estas do seu novo trabalho. Está satisfeita?
Muito! Estou muito feliz com o resultado e cheia de vontade de o partilhar. Agradeço muito a todos eles, que deram muito de si para este disco. E a toda a equipa que fez isto acontecer. O trabalho envolvido na produção de um disco não é pouco. Quando corre bem, depois de tanto esforço, tem um sabor especial.
O que é que podemos esperar do próximo dia 31 no Centro de Cultura Brasil Angola?
Será uma apresentação à imprensa e convidados e um encontro com o público. Será projectado um breve documentário sobre os bastidores da gravação e o primeiro videoclip. Além disso, haverá tempo para conversa com os presentes, convívio, contacto. E claro, fechar com música, em acústico, com a participação do Toty Sa’Med, que também participa no disco.
Depois disso, vai ver o seu álbum ser lançado em Portugal, e em outros países da Europa. É sua vontade levar a música angolana cada vez mais longe?
Sim, a música angolana merece todos os palcos. Felizmente tenho a sorte de viajar muito e sentir de perto a curiosidade das pessoas para com Angola, desde a vida política às línguas nacionais. Seria bom que houvesse um maior investimento para internacionalizar a música angolana, em especial para incentivar os novos talentos.
Vamos poder vê-la ao vivo em Angola brevemente?
Espero que sim. A tour do Insular começa no próximo ano e quero muito trazer esse concerto não só a Luanda mas também a outras cidades do país.
E agora? O que é que o futuro ainda vai escrever na página de Aline Frazão?
Para já o meu tempo é todo para o Insular, promover este trabalho, partilhá-lo com as pessoas, transpor para o palco. Uma página de cada vez. Agora é a hora do Insular.