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Cultura

Sílvio Nascimento: “Nem toda a gente que ganha prémios os merece e nem toda a gente que merece os tem”

Nasceu e cresceu no Lubango, mas foi em Luanda que encontrou as oportunidades de que precisava para seguir o seu sonho de criança: a representação. Sílvio Nascimento, um dos actores angolanos em ascensão, já integrou diversos projectos nas áreas do teatro, cinema e televisão, e continua a dar passos importantes na sua carreira, tanto a nível nacional como internacional. O actor que acredita que cada personagem é um desafio prefere trabalhar em Angola, mas admite que apenas lá fora é possível atingir certos objectivos profissionais. Aos jovens que sonham pisar um palco, aconselha muito estudo, trabalho, empenho e fé, pois acredita que é o segredo para o sucesso.

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Sílvio, em primeiro lugar fale-me de si... Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, os seus estudos...

Nasci e cresci no Lubango, na Província da Huíla, e estudei a minha vida toda no Lubango, até à faculdade. Estudei na Escola Sé Catedral, uma escola de madres, onde fiz a iniciação, até à sexta classe. Depois mudei-me para a Escola 27 de Março, onde fiz a sétima e oitava classe, e depois fiz o médio no Instituto Médio de Economia do Lubango (Imelub). Depois disso, como tinha muito interesse no teatro, preferi ir para Luanda, para dar continuidade aos meus estudos, e para poder fazer teatro a nível profissional, de maior relevância nacional.

Continuei a fazer o que eu sempre amei, que é o teatro, e a faculdade de Direito. Estudei Direito, mas não concluí o quarto e último ano, dei uma pausa nos estudos, porque tinha muitos objectivos a alcançar, e tive noção que não se pode fazer duas coisas ao mesmo tempo, porque é muito difícil, principalmente para quem viaja para trabalhar. Então preferi dar mais atenção a uma oportunidade que me surgiu na altura, o filme “Njinga - Rainha de Angola”, quando eu já estava a fazer as provas no terceiro ano, e assim como algumas peças de teatro, em que fui representar Angola, e vencemos na altura o prémio internacional Festlip (Festival Internacional de Teatro da Língua Portuguesa), em 2011.

Aproveitei assim essas oportunidades para avançar com a minha carreira, e deixei essa porta por fechar. Mas isso é por uma questão de tempo, e as oportunidades que aproveitei, graças a Deus compensaram, e em tempo oportuno, hei-de concluir a minha formação. Mas pensando no que quero para o meu futuro profissional, mesmo que termine o curso de Direito, não irei exercer, pelo menos nos próximos cinco anos, devido aos objectivos que quero alcançar. O curso será sempre uma formação académica, que pretendo terminar, mas nunca será uma formação profissional, porque para mim a representação é muito mais interessante.

Eu tive uma infância calma, apesar de sempre ter sido uma criança muito reguila. A verdade é que as pessoas não estavam preparadas para o que eu tinha dentro de mim, e para a energia que eu tinha… (risos) A minha mãe era a minha avó, e era muito mais velha, mas eu brincava muito com ela, a mulher da minha vida. Sempre fui uma criança muito feliz. Tão feliz que até hoje me lembro de muitos detalhes da minha infância. Os meus grandes amigos são os amigos que eu fiz em criança e nos tempos de escola, e que sempre me acompanharam. Tive realmente uma infância muito feliz e recheada de boas memórias, que originaram o homem que sou hoje. A minha família também esteve sempre presente. A minha tia, que sempre puxou muito por mim, a minha mãe e a minha irmã, o amor da vida do irmão, são responsáveis pelo homem que sou hoje.

Já sonhava ser actor em criança? Como surgiu o gosto pela representação?

Sempre pensei em ser actor. Desde criança que quis ser alguém que pudesse marcar uma geração, e na verdade trabalho muito, até hoje, para que isso aconteça. Ainda não cheguei onde queria, porque o caminho é longo e árduo, mas a vontade é enorme e acredito que vou chegar lá.

O gosto pela representação surgiu na escola, porque fazíamos muitas brincadeiras que envolviam o teatro e a representação. Tínhamos sempre actividades artísticas, no final de cada ano, e em datas festivas.

Ainda se lembra quando subiu a um palco pela primeira vez? O que sentiu?

Sim lembro-me. Foi na Sé Catedral, eu tinha os meus seis, sete anos de idade, quando participei na peça “O Presépio do Menino Jesus”. Eu interpretei o pai do menino Jesus e foi a primeira personagem que eu fiz. Depois disso fui fazendo teatro comunitário, teatro de rua e levamos o teatro até empresas e centros comunitários para crianças e idosos. Depois, já com os meus 17 anos, entrei para o grupo Vozes Soltas, no Lubango, o meu primeiro grupo profissional, onde já fazia o teatro convencional, e ganhava algum dinheiro, mas era pouco. Fazíamos mais pelo amor à camisola e pela dignidade profissional, do que pelo dinheiro. Depois surgiu a oportunidade para apresentarmos as peças noutros palcos, e começamos a ser conhecidos no Lubango. A minha peça de maior sucesso no Lubango foi numa selecção de actores, em que já fazia teatro há seis anos, e fui seleccionado para o nível provincial. Aí fui conhecido e reconhecido, e venci um prémio de melhor actor.

Como actor, qual o papel que mais gostou de desempenhar?

Cada personagem faz parte da minha vida e da minha história. O que acontece é que há pessoas que gostam de me ver mais num registo do que noutro. Mas amei todos eles, cada um da sua forma. Cada personagem é um desafio, e eu estou aqui para lutar e vencê-los. Cada personagem faz parte de mim e da minha trajectória.

Gostaria de contracenar com alguém em especial?

Sim. Adorava representar com Denzel Washington, ou com Borges Macula que é meu colega de luta, e nunca representamos cara-a-cara. E gostava de representar com actores a nível internacional, para que pudesse provar que é possível chegar mais longe, se estiver exposto ao mais alto nível, e eu acredito muito em mim. Ao alcançar os palcos internacionais, acho que as pessoas vão deixar de fazer comparações, que são desnecessárias, porque nós não somos comparáveis, cada um é a sua natureza e só é preciso termos oportunidades.

Já participou em projectos no teatro, no cinema e na televisão. Em qual das áreas mais gosta de trabalhar e porquê?

Eu adoro representar por isso não tenho uma área propriamente que mais goste. Teatro, televisão e cinema é a minha água então eu sou aquático... (risos) Gosto de representar por isso não tenho preferências, mas é verdade que, a nível de projecção, as áreas são diferentes porque cada uma tem o seu público. Desde que o projecto seja viável e ambicioso para mim, eu quero representar em qualquer uma das vertentes.

Participou no filme “Njinga – Rainha de Angola”, o primeiro filme de época que Angola produziu. O que sente por ser uma das caras de um projecto pioneiro no nosso país?

Sinto-me muito honrado e especial, porque de onde eu venho vêm muitos mais actores e, o facto de ter sido escolhido a dedo por pessoas que não me conheciam, fizeram-me sentir honrado, lisonjeado e muito mais, por estar num projecto nacional e internacional, que valoriza a nossa cultura e o nosso país.

Nos últimos tempos tem-se dedicado mais a projectos na área do cinema e televisão, mas pertenceu durante vários anos ao grupo teatral Henrique Artes. O teatro deixa-lhe saudades?

Claro que sim. Mas não é o teatro que me deixa saudades, porque continuo a fazê-lo, mas sim o grupo Henrique Artes. A verdade é que, como actor independente, preciso de convites para integrar em peças de teatro, ou de criar projectos para fazer teatro. Continuo com as portas abertas para quem me quiser convidar ou contratar, porque não deixei o teatro e quero fazê-lo toda a minha vida, mas infelizmente não tenho recebido convites nesta área.

Já recebeu vários prémios e distinções durante a sua carreira nos palcos, sendo que ainda este ano foi o vencedor do prémio de Melhor Actor pela Zapnews e Angola Top Ten Awards. Qual foi o prémio que mais gostou de receber e porquê?

Todos eles foram muito importantes para mim, porque todos são muito diferentes. O Zapnews é um prémio de um programa, que vê o trabalho dos actores, e foi muito importante para mim ter essa avaliação, por parte dos técnicos. O Angola Top Ten Awards já foi uma votação do público a nível das redes sociais, o que garante que as pessoas gostam e admiram o meu trabalho, e confiam em mim. Logo, todos os prémios são muito importantes e todos têm muito valor.

Há ainda algum prémio que gostasse de receber?

Sim, um Óscar africano, da maior academia. É um objectivo a alcançar e não estou muito distante disso, como digo, só preciso da oportunidade.

Quer falar-nos um pouco sobre o Augusto, a personagem que irá interpretar no novo projecto português em que está a participar? O que espera desta personagem?

Augusto é natural de São Tomé. Cresceu com muito pouco e depois de a mãe o abandonar, foi viver com a segunda família do pai, onde era maltratado pelo pai e pela madrasta, que o mantinham quase fechado em casa. Para tentar fugir à pobreza, Augusto entrou para o exército, altura em que conhece Telmo e os dois ficam amigos. Depois de sair do exército, Augusto foi aceitando fazer todo o tipo de trabalhos para ganhar dinheiro. A vida tornou-o num homem violento, que nunca conseguiu ter uma relação estável com nenhuma mulher. Tem tendência a ser possessivo e a tratar as mulheres com agressividade.

O personagem é muito interessante, mas é um personagem um pouco difícil para mim, porque é muito conturbado. A personalidade dele é muito forte, e é alguém com quem não gostaria de me cruzar. Mas o personagem está a crescer, e é mais um desafio. Estou a lutar para que ele seja mais uma marca no meu rol de trabalhos.

Neste momento o seu foco é apenas na personagem que interpreta na novela portuguesa “Amor Maior”, da estação televisiva SIC, ou está envolvido em mais algum projecto?

Na verdade, estou envolvido noutro projecto. Fui contratado por uma grande empresa americana, no mundo da televisão, que está a desenvolver projectos direccionados para Angola. Em breve estarei a representar algo muito diferente, daquilo que as pessoas estão habituadas a ver-me, e estou muito feliz por estar a viver este momento. Já estou a gravar e muito em breve as pessoas saberão mais novidades.

Como é ser actor em Angola?

Ser actor em Angola, como ser actor em outra parte do mundo, é um acto de coragem. É uma profissão que requer muita concentração porque, num país onde fazem poucos trabalhos a nível do cinema, da televisão e mesmo do próprio teatro, que é muitas vezes desvalorizado, é muito complicado trabalhar. É o mesmo que perguntar a um médico, como é trabalhar num país onde não há hospitais, por exemplo. É não ter trabalho para fazer o nosso trabalho. Por isso é muito complicado, temos que ser autodidactas e, quando as oportunidades aparecem, temos que estar prontos para agarra-las, e isso é o mais importante.

Prefere trabalhar no nosso país ou em Portugal? Acha que é mais fácil alcançar os seus objectivos lá fora?

Eu prefiro trabalhar no meu país e digo isso 10 vezes! Porque eu prefiro dar um contributo ao Produto Interno Bruto… Porque as riquezas devem ser feitas dentro das nossas terras, da nossa zona de conforto e próximo das nossas famílias. Mas verdade é que não se consegue alcançar tudo o que se pretende, estando no nosso país de origem, infelizmente. Mas para atingir alguns objectivos a nível internacional, Portugal é na Europa, e a Europa abre portas a outras possibilidades a nível internacional, por isso é mais fácil alcançar uma carreira internacional, trabalhando fora do país, para um público diferente. Mas eu preferia alcançar esses objectivos em Angola para o mundo e não do mundo para Angola.

É muito conhecido pelo público angolano mas, devido aos seus projectos fora do país, também já é reconhecido a nível internacional. Como são os fãs angolanos? E os estrangeiros? O apoio do público é importante para si?

Os fãs são muito diferentes, tanto no contexto como a nível cultural. Em Angola, em algumas partes e em algumas situações, as pessoas não respeitam muito os artistas e a sua luta, às vezes somos desdenhados desnecessariamente, mas já foi muito mais complicado. Já no estrangeiro, basta as pessoas saberem que és um artista, e alguém que luta para alcançar os teus objectivos, as pessoas respeitam mais, parabenizam-te sempre, não se cansam de incentivar. Nós em Angola temos esse problema, mas é um problema contextual. Mas ainda assim, mesmo em Angola, temos muito apoio de pessoas que vêm de outras partes, principalmente de outras províncias, que têm muito mais respeito do que as mais próximas. Mas isso é relativo… Eu tenho a sorte de ter apoio em várias províncias, o que é muito bom para mim.

O mundo da representação não é fácil... Que conselho daria a um jovem que sonha em ser actor?

Sonha. Acredita em ti e nos teus. Investe na tua carreira como se estivesses a investir nos estudos.

Estuda imenso e capacita-te porque, não basta seres alguém com um bom perfil, seres bonito e corpulento. Tens que ter também a massa cinzenta a funcionar. Estuda, procura, investiga e aprende com os mais velhos e com quem já chegou a um certo nível. Nunca desdenhes quem já chegou a um patamar elevado, mas procura aprender mais com pessoas que já conseguiram atingir metas significativas. Os prémios não são o maior regozijo de um artista, mas sim o que ele tem por dentro e a qualidade do seu trabalho, porque nem toda a gente que ganha prémios os merece, nem toda a gente que merece os tem. Luta para ter qualidade artística e qualidade como ser humano. E lembra-te sempre que, uma das coisas mais importantes, que um artista tem que ter, é memória. Tens de saber de onde vens, como vens, como vieste, quem te ajudou, quem te empurrou, quem permitiu que assim fosse. A memória é muito importante para um artista. Nunca te esqueças disso porque quem te meteu num caminho da mesma forma te poderá tirar desse caminho. E acredita em Deus, e que Deus nos permite chegar até onde nos permitiu sonhar.

Por fim, qual o seu maior sonho como actor?

Eu tenho um princípio, que sigo, e que é não contar os nossos sonhos a pessoas pequenas, porque elas fazem-te acreditar que os teus sonhos são pequenos. Isto para dizer que as pessoas não conseguem fazer uma coisa e tentam provar-te que tu também não és capaz. As pessoas não conseguem atingir objectivos, porque são inimigas de si mesmas, e acreditam que tu também és um perdedor como elas. Por isso, pouco falo dos meus grandes sonhos. Eles vivem comigo e eu vou lutando para conquistá-los, cada dia que passa. Ser aconselhado que o meu sonho é menor do que eu, pode ser uma realidade vinda de muitas pessoas, e chamam-me teimoso, mas essa teimosia trouxe-me até aqui. Hoje fez com que eu fosse apresentador da Fox, hoje fez com que eu conseguisse a personagem Augusto na SIC, fez com que eu fosse actor no elenco principal de “Njinga - Rainha de Angola”, fez com que eu fosse vencedor do prémio Festlip no Brasil, em 2011, e vencedor de um prémio nacional de cultura e artes… Tudo isso antes dos 30 anos… Porque eu tive um sonho, e o meu objectivo era ser um bom actor, e continua a ser o mesmo sonho.

Eu quero ser um bom actor, internacional, reconhecido de Angola para o mundo, como o actor angolano que atingiu o universo da representação, atingiu Hollywood e Bollywood, fez trabalhos que dignificassem Angola e África. Quero que as pessoas de longe percebam que de onde eu vim, vêm muitos mais e muito bons e melhores. Eu não sou melhor do que ninguém e não pretendo ser. Pretendo apenas ser melhor que eu mesmo, e se cada dia que passar eu evoluir, então eu vou atingir melhores performances, porque ontem fui nível dois, hoje sou nível 10 e amanhã nível 20. A ideia é crescer e crescer, e puder fazer história, e essa é a minha intenção no mundo da representação. 

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