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Massalo Araújo: “Sou um contador e coleccionador de histórias e só depois um fotógrafo”

Luandense de gema, nasceu nos anos 80 e assume-se como um apaixonado pela arte. O “coleccionador de histórias” que não dispensa um bom desafio, dedica-se ao nu artístico, não só pela dificuldade que esse tipo de fotografia acarreta, mas também pela beleza e perfeição que vê nos corpos feminino e masculino. Usa a música como influência, mas vê inspiração em tudo, pois considera a vida “interessante o suficiente”. Em 2012, lançou o primeiro livro angolano totalmente financiado pelos luandenses, uma experiência de crowdfunding que descreve como inesquecível. Também já deu alguns passos na sétima arte, que vê como “uma paixão e um desafio”, e promete continuar a explorá-la. Para 2017, além de ultrapassar os contratempos do quotidiano, Massalo Araújo espera um ano em grande: “quem sabe um livro…”.

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Massalo, fale-me um pouco de si... Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, onde e o que estudou...

No fundo a minha história de vida não é muito diferente da de muitos rapazes da minha geração, os de 80. Nasci e cresci em Luanda, saí aos 14 para estudar, passei por várias cidades africanas e terminei em Cape Town, África do Sul, onde fiz os meus estudos superiores. Voltei em 2005 e agora cá estou, “Luandando”.

Quando e como surgiu o gosto pela fotografia?

Não sei em que momento exacto, mas muito cedo. E não foi necessariamente pela fotografia. Acho que o gosto pela fotografia, especificamente como forma de expressão, foi um resultado do meu interesse por arte em geral.

Houve obviamente muitas influências ao longo do caminho, e cada uma contribuiu para escolher fotografia como forma principal de expressão artística. Mas primariamente sou um contador e coleccionador de histórias, só depois um fotógrafo.

O seu trabalho é marcado pelo nu artístico… É o tipo de fotografia que mais gosta de fazer?

Sim e não. Acho que no meu caso, e penso ser igual para outros artistas, os temas e estilos mudam consoante as épocas, e sobretudo à medida que vou amadurecendo o diálogo comigo mesmo, como artista. Se é que posso classificar-me como um…

No que toca ao nu artístico, há muitas razões pelas quais gosto e passo muito tempo neste mundo. Desde o facto de que é provavelmente dos tipos de fotografia mais difíceis de fazer bem, devido à linha muito ténue entre o que é considerado arte e o vulgar… Não que me preocupe muito, no fundo, porque o importante primeiro é eu estar satisfeito com o meu trabalho… Até ao facto de que acho o corpo em si, tanto feminino como masculino, lindo e perfeito, na sua imensa diversidade.

Há também um aspecto mental que me interessa muito, sobretudo no que toca à nossa relação com o corpo nu. A parte sensual, e por vezes sexual, é de certeza um aspecto que me atrai e que gosto de explorar. Penso que muitas histórias boas podem ser tiradas daí, dos nossos tabus sociais.

A música desempenha um papel principal, no que diz respeito à sua fonte de inspiração? O que encontra na música que desperta a sua criatividade?

Bom, a música não é chamada a primeira arte por acaso. Se formos a considerar as nossas pequenas vidas como filmes, tenho a certeza de que todo mundo consegue criar uma playlist dos seus melhores e piores momentos. Porque no fundo música é também isto: memória, emoções…

Eu uso música como uma maneira de viajar por estados emocionais, o que me permite editar ou fotografar de uma maneira ou de outra. Neste sentido, música é a minha droga artística.

E para além da música o que mais o inspira quando fotografa? Há algum artista ou fotógrafo que destaca como sua influência?

Sem ter medo de usar um dos clichés mais comuns, tudo me inspira. A vida em si já é interessante o suficiente. Viver numa cidade como a nossa então, cheia de histórias por contar, não há como sentir falta de inspiração…

No que toca a influências, como disse no início, depende das épocas, ou do estado em que me encontro no meu crescimento. Portanto são tantas que não caberia aqui a lista… Posso é destacar alguns amigos, que me inspiram de maneira contínua todos os dias, sabendo bem que há muitos outros que vou arrepender-me de não ter mencionado: colectivo Geração 80, colectivo Mauanda, colectivo LNL, colectivo Mimos, Nástio Mosquito, Joana Taya, Kassy, Luaty D’Almeida, Aline Frazão, etc… Todos jovens, todos criadores, cada um da sua maneira especial.

Onde é que ainda não esteve com a sua câmara e gostaria de estar?

Nos lugares escuros e sensuais da mente humana. É uma viagem contínua e provavelmente sem fim.

O que é que pretende fazer com a sua fotografia? Definiu algum objectivo?

Não… No que toca a isto de objectivos artísticos, devo ser das piores pessoas para ter esta conversa, porque não tenho nenhum outro objectivo, geralmente, senão continuar a criar. Contar as minhas pequenas histórias e possivelmente inspirar outros a contar as suas.

Às vezes trabalho com temas, como tem sido com o Couples ou o Littlekings, mas de novo, no fim o objectivo acaba por ser mais micro, contar estas histórias, do que macro, fazer algo com estas histórias contadas. Por isso acabo quase sempre por trabalhar com pessoas que gerem esta parte mais prática por mim.

De todos os projectos fotográficos e exposições que já esteve envolvido, qual ou quais destaca e porquê?

Não sei se consigo destacar um, porque gostei, cresci e fiquei tocado com todos. Gostei muito de ter trabalhado com outros artistas, Nástio, Joana Taya, Geração 80, Ben Winfield, em particular… Mas os trabalhos a solo também tiveram o seu impacto e foram tão importantes.

Que desafios já enfrentou enquanto fotógrafo?

Acho que nenhum. Pelo menos nenhum que consiga destacar.

E como é ser fotógrafo em Angola?

Bom, é como ser fotógrafo em qualquer outro lugar. Se, claro, não falarmos dos problemas técnicos bem nossos do terceiro mundo, como a falta de luz, água, material, acesso a mais casas para impressão e venda de acessórios, preços altíssimos, dificuldades em importar coisas, etc… É também verdade que o mercado nem sempre está pronto para receber o que tenho para oferecer, que não é fotografia comercial, ou mesmo a gama de temas que exploro, como por exemplo o nu artístico. Mas na minha visão das coisas, pronto ou não, o meu papel é trabalhar primeiro e ver como o público angolano, ou as dificuldades que temos cá como artistas, se encaixam depois.

Para além de livros de fotografia, lançou também livros de poesia, com destaque para “O Mar Também Tem Nuvens”, em 2012, pelo facto de ter sido o primeiro livro angolano totalmente financiado pelos luandenses, em menos de sete dias. Como foi esta experiência?

Foi linda. O projecto nasceu de uma colaboração com a artista plástica Joana Taya. Eu escrevi os poemas e ela interpretou-os em pintura. A Joana tem um estilo muito especial, que admiro muito, e foi a pessoa perfeita para esta colaboração.

O livro ficou parado um ano, porque sendo artista independente, não tinha condições de o mandar imprimir. No fim deste período, já meio frustrado e depois de falar com amigos, decidi seguir o modelo de crowdfunding, inspirando-me muito na empresa “Kickstarter”, e também na maneira como muitos grupos de hip-hop/kuduro conseguem financiamento, via distribuição nos candongueiros da cidade.

Criei uma história à volta do livro e uma página no facebook, e dei-me três meses para conseguir o dinheiro ou desistir… E em sete dias consegui valores suficientes, de pessoas anónimas, que ouviram o meu apelo, gostaram do que tinha escrito e financiaram o livro. Foi uma experiência muito emocionante, que de certeza que me lembrarei para sempre.

Relativamente à poesia, que espaço é que esta arte ocupa na sua vida?

Tudo é poesia. Não faço distinção entre fotografia, cinema, pintura ou escrita. É tudo água do mesmo rio.

Já deu alguns passos no cinema, entre os quais com uma curta-metragem, intitulada “Ruizinho & Elsa”. Fale um pouco sobre este projecto.

Antes do “Ruizinho”, já tinha feito algumas tentativas, nomeadamente com a Geração 80, BPM parte 1 e 2, Pakisse, e com o Nástio, Comédia da tragédia. O “Ruizinho” foi um exercício feito durante um curso de cinema ministrado pela Geração 80. Foi-nos lançado o desafio de criar um certo número de histórias/scripts que devíamos depois passar para o ecrã.

Tive a sorte enorme de calhar com um grupo de pessoas que estavam bem à vontade com a linguagem cinematográfica, Ery Claver, Tiago Costa, Charles Alexander, e, portanto, foi de certa maneira fácil e um prazer enorme ver este trabalho nascer.

O “Ruizinho” conta no fundo a história dos extremos, da inocência vs a experiência, e de como estes dois polos vêem o mundo e se alimentam um do outro. É a história de todas as avós e de todos os netos, as conversas que têm, as curiosidades e as esperanças. Quando escrevi o script pensei na minha mãe, na minha avó e nos seus netos, que somos nós todos.

O que é a sétima arte representa para si?

Uma paixão e um desafio.

Qual o seu projecto de sonho no mundo do cinema?

De sonho não tenho nenhum, mas de certeza que é um mundo que quero muito explorar e vou continuar a trabalhar neste sentido.

Para terminar, quais os seus planos para o futuro? Actualmente está envolvido em algum projecto?

Para já sobreviver às falhas de luz e de água… Pagar contas… Depois disso vamos ver, mas 2017 promete. Quem sabe um livro…

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