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Thó Simões: “A cultura e a arte são a base de qualquer nação que se queira forte”

Nasceu em Malanje, juntamente com a sua queda para a arte que o acompanha desde sempre, mas foi entre Portugal e Angola que foi crescendo. Inspira-se no quotidiano quando produz algo novo, e tenta dar uma segunda vida aos objectos que utiliza nas suas obras. Pintura e fotografia são as suas paixões, mas a cenografia e o design gráfico também ocupam espaço na sua vida, preenchida ainda pela intervenção social. Aos 44 anos, e com uma carreira marcada pela polivalência, Thó Simões, o artista cuja “cabeça nunca pára” e que se confessa um apaixonado por Angola e pelos angolanos, promete para 2017 trazer à luz do dia um novo projecto, que funde street art com fotografia.

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Thó, em primeiro lugar fale-me de si... Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, onde e o que estudou...

Nasci em Malanje, cresci em várias cidades e em dois países diferentes, Angola e Portugal. Os meus pais separaram-se eu ainda era muito novo, e eu e o meu irmão fomos viver com o meu pai que na altura estudava engenharia. Quando ele foi para Lisboa para concluir a formação levou-nos com ele. Estudei toda a primária e o ciclo preparatório em Lisboa. Depois disso continuei a minha formação em Angola.
Estudei o secundário em Malanje e o ensino médio em Luanda.

Quando surgiu o gosto pela arte e pela pintura mais especificamente? Foi influenciado por alguém?

Eu acredito que a minha apetência para as artes é latente. Sempre foi muito natural para mim exibir queda para actividades artísticas desde criança. Uma vez quando devia ter quatro ou cinco anos, vi um retracto da minha mãe, eu achava a minha mãe a mulher mais linda do mundo, e pensei ser uma fotografia, mas o meu pai revelou-me que tinha sido feito por ele a lápis. Isso foi o suficiente para eu nunca mais parar de tentar fazer também um igual.

Que temas aborda nas suas pinturas?

Os temas da minha pintura são o dia-a-dia, as sociedades e os seus temas actuais ou históricos, dependendo do interesse que me suscitar, as minhas próprias experiências como ser social… Todo o assunto que eu for sensível acaba por se reflectir no meu trabalho.

O que lhe serve de inspiração para criar?

Como referi o dia-a-dia é a minha principal fonte de inspiração. Os temas e as questões que mais afectam o mundo, este mundo globalizado que nos permite ter noção do que vai acontecendo um pouco por todo o lado, os lugares que visito, as pessoas que conheço ou com quem cruzo. Actualmente o meu trabalho é muito focado no meu país Angola e a sua grande diversidade e riqueza cultural e ambiental. Eu sou um apaixonado confesso por Angola e pelos angolanos.

Quais são os materiais e a técnica que utiliza na produção das suas obras?

Eu uso os mais diversos materiais. Primo pelo que vai para o lixo e a natureza não consegue absorver, tento reaproveitar e dar uma nova vida com a minha arte. Uso várias técnicas na execução das minhas obras. Faço muito recurso à fotografia para colectar os temas que mais suscitam a minha atenção, depois é uma questão intuitiva a escolha dos suportes e de que técnica aplicar em determinado projecto.

Qual foi a obra que mais gostou de pintar? Porquê?

Não existe tal obra, isto porque uns dos meus principais processos de criação é a experimentação. Cada trabalho que fiz e que faço tem a sua própria história, o seu momento de aflição e o seu momento de êxtase. Ainda continuo com a mesma curiosidade e ansiedade que sentia, quando comecei os meus primeiros projectos, e continuo a experimentar isto com aquilo, a tentar coisas novas… Não sei ainda quando vou ser capaz de reconhecer a obra que mais gostei de fazer.

Que reacções a sua obra pode despertar nas pessoas?

Quando pinto eu próprio procuro ser só mais um instrumento do meu fluxo criativo. Quando termino tenho muito pouco a dizer sobre a peça, apesar de usar temas comuns. O meu universo pictórico é muito intuitivo… As reacções que a minha pintura causa nas pessoas varia, mas em geral as pessoas que apreciam o meu trabalho conseguem captar a essência e a energia intuitiva que elas transmitem.

Já participou em várias exposições, individual e colectivamente, em Angola e no estrangeiro. Qual foi a melhor exposição de sempre e porquê?

Também ainda não existe tal exposição, apesar de já ter muitos anos de estrada, 15 anos para ser mais preciso. Ainda são muito poucas as minhas exposições individuais. Anseio por muitas mais, isto porque até há pouco tempo preferi o caminho da experimentação e do domínio das técnicas que me fascinam. Mas talvez a mais marcante, até agora, tenha sido a primeira colectiva como membro dos Nacionalistas, no dia 17 de Setembro ano 2000, significou muito para mim por ser a minha estreia.

E a fotografia? Que espaço ocupa na sua vida?

A fotografia tem um lugar marcante na minha vida. Lembro-me de quando fui matriculado no Instituto de Formação Artística e Cultural em Luanda, notei que tínhamos uma cadeira de fotografia, e eu morria de vontade de aprender fotografia. Infelizmente nunca chegamos a ter essa cadeira, enquanto fui aluno desse instituto, mas daí para a frente nunca mais me livrei desse amor não correspondido.

Que tipo de fotografia mais gosta de fazer?

Trabalhei muito anos como director de arte em algumas agências publicitárias, portanto consegui finalmente aprender alguma coisa de fotografia, com alguns bons fotógrafos que conheci no percurso. Apesar de me sentir atraído por paisagens naturais e urbanas, e outros temas, são as pessoas que mais gosto de captar.

O que é que pretende fazer com a sua fotografia? Definiu algum objectivo?

A minha fotografia além de servir de base para os temas que pinto, é mais um hobby e um registo temporal da vida ao meu redor, seja a minha intimidade, como o que acontece à minha volta. Os sítios, os lugares, as pessoas e por aí fora, tudo o que me atraia, por enquanto é esse o principal objectivo.

O Thó é também designer gráfico e cenógrafo. Que projectos desenvolveu nestas áreas?

Quando saí da escola tinha que arranjar um emprego. Como estava a formar-me em belas artes, achei que era mais apropriado procurar emprego num sector em que pudesse por em prática os meus conhecimentos, e assim foi. Eu e dois amigos conseguimos entrar para uma pequena oficina, que fazia reclamos luminosos e pintava anúncios comerciais em fachadas de prédios. Daí para a frente foi somar e seguir.

A dada altura já trabalhávamos por conta própria e passamos a prestar serviços na área do showbiz. Na altura os primeiros acordos de Paz tinham sido assinados e já se podia circular pelo país inteiro. O Governo começou a colaborar com alguns agentes culturais, que passaram a levar o entretenimento para as outras províncias de Angola. Nesta altura não existiam ainda grandes empresas para montagem de palcos som e luzes. Esses agentes recorriam aos poucos profissionais de som e luz que existam em Luanda, e alguns destes agentes culturais já conheciam as nossas capacidades e passaram a contratar-nos para fazer os palcos e os cenários dos eventos. Foi uma época muito rica em experiências muito particulares. Em algumas províncias fomos os primeiros a chegar e a criar intercâmbio e entretenimento cultural.

Alguns anos depois, quando já me dedicava mais à pintura, voltei a juntar-me aos meus antigos companheiros, que entretanto criaram o grupo “Os Nacionalistas”, e no ano 2000 realizámos a primeira colectiva. Alguns anos depois, e depois de já ter feito um percurso interessante no mundo das artes gráficas, fui admitido naquela que era a maior agência de publicidade em Angola, a “Executive Center”, onde amadureci os meus conhecimentos. Depois foi outra vez somar e seguir… Trabalhei em mais algumas agências de topo e bebi da experiência de óptimos profissionais da comunicação e imagem, angolanos e expatriados.

Já esteve envolvido em vários projectos artísticos, sendo um deles o “Murais da Leba”. Qual a sua contribuição e os objectivos actuais do projecto?

O “Murais da Leba” é o maior de todos os projectos que me envolvi até agora, e também o mais ambicioso. Comecei a desenvolvê-lo em conjunto com o Vladimir Prata, que me trouxe o desafio, exactamente na altura em que se instala a crise financeira em Angola. Apesar dos imensos obstáculos seguimos em frente, com alguns apoios determinantes dos Governos províncias do Namibe e da Huíla, de algumas entidades privadas e de muitos bons amigos, e conseguimos realizar o maior mural, e o mais icónico, de Angola, sem com isso causar nenhum impacto negativo no ambiente, no ecossistema ou nas populações locais. Pelo contrário, conseguimos valorizar mais ainda essa maravilha da natureza, em termos de aproveitamento artístico da estrutura da estrada, que serpenteia a serra, a nível do ecoturismo e no intercâmbio cultural entre as populações locais e os visitantes. Conseguimos envolver no projecto crianças, jovens e adultos de toda Angola, artistas, professores, alunos e artesões locais.

Também com o contributo de dois amigos, Juca Badaró e Renata Matos, realizamos um documentário com o título “As cores da serpente”, que foi recentemente exibido em Luanda no CCBA [Centro Cultural Brasil Angola], e pretendemos exibi-lo por todo o país.

No passado dia 11 de Novembro realizamos o primeiro festival da Leba, e estou muito contente com o resultado que conseguimos obter. Já estamos inclusive a trabalhar em outros projectos similares, para ir implementando no país, onde as condições forem propícias.

E relativamente aos vários projectos de intervenção social, nos quais promoveu actividades artísticas, destaca algum em especial?

O Exsef, Expressões sem fronteiras, um projecto que era desenvolvido pelos Nacionalistas e um grupo de amigos expatriados, que trabalhavam em Angola na altura. Estou a falar do ano 2002 e nesta altura não havia quase nada em termos de instituições e actividades culturais. Nós os Nacionalistas éramos um caso à parte, irreverentes, inconformados e muito originais, éramos nós que realizávamos as primeiras actividades e exposições artísticas na baixa de Luanda, além do Elinga Teatro e de alguns grupos de teatro como o Horizonte Nzinga Mbandi. Quando criamos o Exsef passamos a levar as nossas actividades para zonas mais distantes, como os musseques de Luanda, e para outras províncias de Angola. Criávamos laboratórios de pintura, oficinas de teatro, bibliotecas móveis, e chegamos a realizar um festival de artes integradas de três dias. Foi realmente um grande momento para mim em termos de intervenção social.

Quais foram as maiores dificuldades que ultrapassou, em toda a sua carreira artística, e quais foram os melhores momentos?

Não sei quais foram os maiores, mas ultrapassei dificuldades a vários níveis. Afinal sou de uma geração que apanhou com tudo. Passei por todo o tipo de dificuldades ao longo da minha carreira. Hoje, quando me lembro delas, parecem todas pequenas, em relação ao que consegui alcançar. Nunca me deixei seduzir nem influenciar em detrimento daquilo que acredito, e sempre busquei para mim mesmo. Todos os anos de busca, aprendizado e experimentação que me impus, hoje fazem-me sentir no meu melhor momento.

Como vê o mundo das artes em Angola? Há apoios para os nossos artistas?

É um mundo em franca expansão. Hoje a arte feita por angolanos e angolanas começa a ser cada vez mais apreciada. Hoje tem nomes de artistas da minha geração nos maiores salões de arte do mundo. São poucos ainda, mas já é fantástico. A nível interno a coisa é um pouco diferente. O mercado artístico ainda precisa de criar mecanismos e plataformas, que garantam e protejam a propriedade intelectual do artista a da sua obra. Já foi aprovada uma lei do mecenato, o que é bom, mas o acesso e os critérios a financiamentos e patrocínios para projectos, ainda não é o ideal e não são abrangentes o suficiente. Sendo a cultura e a arte a base de qualquer nação que se queira forte, é necessário que cada vez mais entidades culturais, empresários, instituições e colecionadores angolanos se envolvam de forma mais séria no processo, e se multipliquem, se queremos construir um país forte, um país orgulhoso da sua cultura e da sua identidade. As gerações futuras agradeceriam muito o resultado de tal empenho.

Por fim, quais são os seus planos para o futuro? Actualmente está envolvido em algum projecto artístico?

São muitos. A minha cabeça nunca pára. Alguns planos correm o risco de nunca ver a luz do dia, ou permanecer incubados até que surjam as oportunidades de os pôr em prática. Outros estão em processo de concepção e execução. Neste momento, além de pequenos projectos, estou a trabalhar num projecto com o fotógrafo Nuno Martins, que une street art à fotografia.

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