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Quando o frigorífico do vizinho é o "desenrasque" nos musseques de Luanda

Por entre paredes de blocos por tratar, em adobe ou de chapa, os moradores dos musseques nos arredores de Luanda encaram com naturalidade semanas sem electricidade e encontram o ‘desenrasque’ na porta do vizinho.

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É o caso de Sandra Neto, trabalhadora "por conta própria" de 39 anos, que tem três divisões para distribuir três filhos e viver com o marido, no bairro do Sambizanga. "Tudo se arranja", explica à Lusa, habituada a passar mais de uma semana sem electricidade e com comida no frigorífico.

"Temos que procurar nos bairros vizinhos, um amigo, um familiar, para a gente poder conservar os nossos alimentos", conta.

Até carregar a bateria do telemóvel se torna, por vezes, numa missão quase impossível nestes bairros e uma vez mais funciona a solidariedade da tomada do vizinho, cuja casa está sempre de porta aberta.

Com 6,5 milhões de habitantes, que durante décadas fugiram da guerra para a capital, Luanda concentra hoje um quarto da população de Angola, país que vive com um défice de produção eléctrica.

Angola precisa de mais do que duplicar a capacidade de produção de electricidade instalada no país, para cerca de 5.000 MegaWatts (MW), para responder ao crescimento de 12 por cento ao ano no consumo. Isso mesmo reconheceu numa entrevista recente à Lusa o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, estando em curso um programa de investimento público na construção de barragens e centrais de ciclo combinado.

Entretanto, musseques sem água, saneamento ou sequer uma estrada alcatroada, em casas que normalmente não aguentam as fortes chuvas, vão surgindo pelos arredores da capital. Também devido às sobrecargas e ligações abusivas à rede pública, por ali passam-se dias sem luz.

As explicações raramente chegam a estas casas, onde se vive na escuridão, tal é o volume de construção envolvente e a falta de electricidade para a noite.

"Ficamos no escuro, a gente têm que se acostumar com a situação. Não podemos fazer nada, temos de esperar", desabafa, conformada. Por vezes, à falta do frigorífico do vizinho em funcionamento, alimentado por um gerador a gasóleo, tem gastar de uma só vez a comida de toda a semana.

"É para não se estragar, para não ficar podre", diz ainda Sandra.

Numa outra zona do Sambizanga, bairro polvilhado por milhares de casas de construção artesanal que foram surgindo praticamente da noite para o dia, Maria da Conceição, de 44 anos, tem 10 filhos para alimentar, três divisões e nunca teve água ou saneamento.

A louça é lavada no quintal, com a pouca água que sobra, e a higiene feita na rua ou num buraco improvisado, o que ajuda a explicar os constantes surtos de doenças que surgem nestes bairros.

"Às vezes" tem electricidade em casa, que já herdou de outros familiares que ali se instalaram há vários anos.

"Quando não há, tenho de tirar [a comida] e pedir nas casas onde tem fresco [frigorífico] e luz. Ou então assa-se tudo", explica esta empregada de limpeza, que integra o grupo - 54% da população - que em Angola vive abaixo da linha de pobreza, com menos de dois dólares por dia.

Ainda assim, uma redução face aos 92% de 2000, segundo um estudo do Standard Bank, mas que nada diz a Joana Cameia.

Tem 30 anos e vive no bairro Dangereux, também em Luanda.

Na sua casa de blocos por rebocar acomoda seis pessoas, incluindo o marido, em dois quartos. Todos os dias vai buscar água aos fontanários para os afazeres domésticos e à noite nada é seguro por lá.

"Não há electricidade, as ruas estão bem escuras. Tem muitos assaltos aqui", desabafa.

Paga a mensalidade da electricidade, mas quando a ligação falha passam-se semanas até alguém aparecer para resolver o problema. "Acendemos velas e quando temos condições [financeiro] compramos combustível para ligar o gerador".

"Só cria uma casa a sério, com luz e água. Sonho com isso", remata Joana.

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