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Eunice Melo: “Acho que posso dizer que sou a rainha do lixão de Angola!”

Forte, determinada e persistente são os adjectivos que melhor descrevem Eunice Melo. Gosta de partilhar os seus conhecimentos com crianças e adultos e sonha em montar escolas ou oficinas de artesanato pelo nosso país fora. Usa o lixo como matéria-prima para criar as suas peças e, mais do que expor a sua arte, a jovem eco-designer tenta promover a educação ambiental através da preservação do meio ambiente e da gestão de resíduos.

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Fale-me um pouco de si... Onde se formou e quando...

Tenho 36 anos, tenho um filho, sou apaixonada por arte e sou eco-designer. Formei-me no Brasil na Escola Belas Artes em 2009.

Como surgiu o gosto pela reciclagem?

Graças a um amigo que na altura já trabalhava com reciclagem há 14 anos e eu estava a trabalhar com artesanato.

Como foi o seu percurso até chegar aqui?

O meu percurso... Não posso reclamar porque não foi tão difícil assim. Primeiro porque estava no Brasil onde tinha toda a matéria-prima e depois porque tinha muito trabalho. Em Angola as coisas são diferentes... Primeiro porque quase ninguém tinha conhecimento do meu trabalho e depois porque compro quase tudo, até o que está jogado na rua... (risos)

Que tipo de produtos faz?

Faço vários produtos. Posso dizer que faço quase tudo para montar uma casa toda feita com produtos reciclados. Camas, mesas, bancos, cadeiras, candeeiros, garrafas decoradas, caixas de chá, havaianas personalizadas, armários, sapateiras, enfim... Com a graça de Deus as ideias vão surgindo.

Quais são as suas inspirações para criar as diferentes peças?

A verdade é que muitas surgem do nada e outras é mesmo uma troca de imagens, pela Internet e com pessoas amigas brasileiras que sempre trabalharam comigo. Quando eu faço algo novo envio e quando eles fazem também enviam. A única diferença é que eu pego numa ideia e a transformo ainda mais com detalhes meus.

E os materiais que mais utiliza?

Pneus, paletes, latas de leite, de massa de tomate e de salsichas, frascos de vidro, garrafas pet, bidons, tambores, frascos de cremes, etc.

Onde e como é que normalmente obtém os materiais que precisa?

Pneus compro ou as vezes dão-me recauchutados; paletes compro em fábricas que recebem material pesado e que vem sempre em paletes; compro material em MDF para artesanato; o resto arranjo dentro da minha casa e casa de amigos e da família.

Quais são os materiais com que mais gosta de trabalhar?

Acredite que não sei responder a essa pergunta... (risos) Porque gosto de fazer tudo! A única coisa é que acordo cada dia com um espírito diferente... Hoje quero mexer com pneus, amanhã com artesanato e no outro dia com latas... E há o dia que apetece andar pelas ruas a recolher material... Mas escolher o que mais gosto não consigo.

Até hoje qual foi a peça que mais prazer lhe deu em fazer?

A que mais gostei de fazer... Eu acho que cada peça ou trabalho é um trabalho. Não consigo dizer o que mais gostei mas posso dizer que as peças que faço, eu própria fico tão encantada que agradeço a Deus pelo dom... Todos os dias me surpreendo a mim própria quando crio algo novo.

Onde é que costuma promover e vender as suas obras de arte?

Costumo vender as minhas peças à minha família, amigos da família, amigos de amigos e muitas vezes a pessoas das redes sociais e quando participo em exposições.

Como é a adesão ao seu trabalho por parte dos angolanos? E fora do país? Já teve encomendas ou fez vendas para o estrangeiro?

A adesão da parte dos angolanos é muito boa. Muitas pessoas ficam encantadas. Se passar num programa de televisão recebo muitas ligações e mensagens a felicitarem-me e a pedirem formação. Vendo para muitas pessoas... Já vendi peças minhas para o estrangeiro muitas vezes, principalmente quando vivia no Brasil, mas posso dizer que estou no caminho certo.

Até agora qual o feedback do seu negócio?

Acho que posso dizer que sou a rainha do lixão de Angola! (risos) Será? (risos) Acho que o meu lixo de luxo é um sucesso. Já que o feedbeck é óptimo e sem sombra de dúvidas hoje muitas pessoas olham para o lixo de outra forma graças a nós. Em 2015 fui vice-presidente do Comité de Benguela e criámos o tema da Miss Ecologia. Acho que foi a melhor aposta que fizemos porque deu muito certo e ainda por cima numa altura que em Benguela tinham acontecido muitas mortes por causa das chuvas... No pouco que estudei sobre as chuvas, era uma chuva ácida, e muita gente sabe que estas chuvas quando acontecem só destroem. Então fizemos um “Miss” lindo, com exemplos de como o planeta está totalmente destruído e como deveria ser ou estar hoje... Foi lindo e até hoje ainda recebo mensagens das participantes quando assistem na televisão um programa onde vou, porque lembram do que aprenderam e dizem: “Tia hoje já não deito lixo na rua nem atiro da janela do carro!”. Isso para mim é muito bom e fico orgulhosa tanto delas como de mim pela mensagem positiva que aprendi e consegui passar a outras pessoas.

Costuma dizer que é uma pessoa que gosta de partilhar o conhecimento... É por isso que tem formandos na sua oficina?

Sim. Adoro dividir o que sei com os outros. Até porque não fui eu que inventei o que sei hoje, alguém me passou os seus conhecimentos, então porque é que os guardaria só para mim quando posso formar outros e assim juntos formarmos mais e mais pessoas? Imagine se eu pegar e guardar tudo que sei comigo como é que posso montar uma grande empresa já que só eu sei fazer? Como posso ter várias encomendas se só eu sei fazer? Então passo tudo a outros e sei que os outros vão passar a outros e assim juntos podemos lutar por uma Angola mais limpa e melhor. A primeira pessoa a quem passei o meu conhecimento foi à minha irmã mais velha Lidia Melo, que é o meu braço direito. Hoje o que sei fazer ela também sabe e juntas vamos ensinando outras pessoas.

Quais são os seus objectivos e projectos para o futuro?

O meu maior objectivo é montar uma Escola ou Oficina de Artesanato e Reciclagem em Luanda e depois de Cabinda ao Cunene, e assim, poder dar emprego a muitas pessoas e formar crianças e adultos. Também tenho um projecto... Assim que conseguisse abrir a minha oficina, daria algumas formações em orfanatos, como por exemplo no Beiral, para que cada lugar destes pudesse ter um meio de sustento com as peças feitas depois por eles, assim que fizessem a formação na nossa oficina, e ensinar também a fazerem hortas orgânicas...

Também tenho projectos que acredito que já vão começar ainda este ano, com escolas e colégios privados, com as nossas crianças, para começar desde cedo a ensinar o que é a reciclagem. Gostava de poder fazer mais mas infelizmente ainda não consegui uma parceria ou um patrocínio para poder fazer tudo o que tenho em papel... Mas eu não desisto! Vou continuar a lutar até dar certo ou acontecer como eu quero.

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