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Tribo do deserto do Namibe começa a trocar os animais pela escola

No deserto do Namibe, sul de Angola, o povo Kwepe, de algumas dezenas de indivíduos, enfrenta secas e animais sem capim para comer. Não têm o luxo de fazer duas refeições por dia, mas o tempo da transumância começa a ficar para trás, cabendo ao 'soba' garantir que as 12 crianças da tribo não deixam de ir à escola.

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Em pleno Parque Nacional do Iona, uma área de deserto e terra seca entre as cidades do Namibe e de Tômbwa, o calor faz-se sentir de forma especial, habitualmente mais de 35 graus centígrados, enquanto uma estrada em linha reta, de alcatrão e depois picada praticamente sem marcas deixa a pequena aldeia de Tue à vista, ao fim de algumas horas.

Na aldeia não há qualquer tipo de luxo e as casas são feitas do pouco que sobra de cada dia: alguns paus e barro. Já no "umbú", a zona de pasto dos Kwepe, mais distante, um dos muitos povos do deserto angolano, são as fezes dos animais que ajudam a dar consistência às casas artesanais, para que resistam à chuva, quando ela cai. E por aqui, na zona do rio Curoca, já não chove há anos, o que está a levar a pouca vida que ainda resta à volta do deserto angolano, a começar pelas dezenas de cabeças de gado que esta tribo perdeu durante a seca.

"Viver aqui é problema. Há quatro anos sem chover, vamos ver este ano. Se chove, a crise acabou", confessa à Lusa o soba Kalabunquila António, de 42 anos. É o líder desta aldeia desde 2001, quando herdou a responsabilidade do irmão mais velho. Em tempo de dificuldades financeiras generalizadas em Angola, o soba garante que os Kwepe vivem "duas crises".

"Não posso confirmar que nós comemos café, almoço ou jantar, aqui é desenrascar mesmo. Não temos uma hora certa para comer, acordamos para ir desenrascar a comida. Aqui uma pessoa não pode comer duas vezes", atira o soba, a voz autorizada para falar na aldeia e dos poucos, "mais-velhos", que falam português.

Cada família dos Kwepe tem direito a uma pequena lavra, para garantir alguma comida, nas zonas onde o vasto deserto permite o cultivo, e a água é obtida pelos poucos furos, normalmente de pequena profundidade, que conseguem fazer.

"Aqui quando não chove, a crise continua", diz, resumindo as dificuldades do povo à falta de água.

No (possível) pasto, a mais de 65 quilómetros de distância da aldeia, à procura de capim para os animais, andam os mais velhos da tribo, com cerca de 2000 cabeças de gado, bovino e caprino, que é grande parte do sustento deste povo.

Das festas, onde se mata obrigatoriamente um dos maiores bois, à construção dos abrigos, ou simplesmente ao negócio para comprar uma motorizada para os mais novos, os animais estão no centro de tudo.

Ao soba cabe a missão de zelar pelos mais novos, que junto à aldeia têm a única escola disponível, numa área de dezenas de quilómetros quadrados.

"É por isso que estou aqui há sete anos, em permanência. É pelas crianças que andam na escola. Os outros [os pais] estão lá no pasto, no umbú, com os animais. Os filhos ficam aqui comigo, para irem à escola. Sou eu que os controla", explica.

O soba Kalabunquila António garante que vai à cidade, a Tômbwa ou ao Namibe, sempre que necessário, mas a vida de transumância, típica daquele povo do deserto, à procura do pouco pasto disponível no deserto, pelo menos para si, já acabou. Tudo para dar a escola, e um futuro "mais seguro" às crianças da tribo.

"Sou eu que lhes vou ver os cadernos e controlar o que fazem. Se eu vou imitar os outros e fazer a transumância, elas vão deixar de estudar", atira, enquanto espera o regresso das 12 crianças da aldeia vizinha de Njambasana, comuna do Kuroca, município do Tômbwa.

Sem chuva, e com isso praticamente sem nada para fazer durante o dia na lavra, resta à aldeia esperar pacientemente que a nova geração se prepare na escola para enfrentar as dificuldades do deserto.

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