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Cultura

Walter Ananaz: “Aos jovens cantores digo não desistam porque a arte é fundamental”

É um dos nomes sonantes da música nacional. Começou a sua carreira já em criança, e desde aí nunca mais saiu dos palcos. Influenciado por uma família de artistas, destaca que o mundo musical é “extremamente complicado”, e evidencia a falta de apoios para os artistas. Acredita que a cultura e a música têm um poder muito forte, mas para isso defende que é necessário investimento. Foi um dos mentores do “The Voice Angola”, uma experiência que recorda como impressionante, pelo facto do número de jovens talentosos que existe no país. Relativamente a prémios, considera o apoio dos fãs como o melhor que podia receber. Aos 42 anos, Walter Ananaz pretende dar continuidade à sua carreira e expandir-se para outros mercados, com a promessa de lançar em breve um novo projecto musical.

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Walter, em primeiro lugar fale-me de si… Onde nasceu e cresceu, fale um pouco sobre a sua infância e os seus estudos…

Nasci no Namibe e lá cresci até aos 17 anos e depois vim para Luanda, em busca da realização dos meus sonhos. Comecei a cantar em 1985, por influência do meu irmão mais velho, e mentor, Cândido Ananaz. A partir daí fui fazendo muitas actividades como músico infantil. Em relação aos estudos, sou técnico médio, de Ciências Sociais.

Como surgiu a paixão pelo meio artístico? Já sonhava ser cantor em criança?

Sou de uma família de artistas, bailarinos, escritores e cantores. Tinha tios que cantavam, dos dois lados da família. Não eram profissionais, mas tinham os seus instrumentos e tocavam. Nas nossas festas cantavam cânticos tradicionais e até inventavam músicas e letras. Mas o primeiro a despontar foi o meu irmão, que já falei. Os meus parentes contam que eu sempre imitava todo o tipo de músicas que ouvia, nacional e internacional, personalizando sempre com a minha forma de cantar. Sempre fui cantando, e depois de fazer os coros do meu irmão, ele compôs uma música para mim, e depois participei no primeiro concurso regional da canção, na província do Namibe, e nunca mais parei.

Ainda se lembra quando pisou um palco pela primeira vez? O que sentiu?

Foi em 1985, e lembro-me que era muito tímido. Além da timidez tive muito medo mesmo. O meu irmão teve que conversar comigo, e dada a exigência dele tive mais medo ainda. Ele era muito chato às vezes… (risos) Havia aquela preocupação de não falhar para dar uma resposta positiva ao meu irmão, e deixá-lo satisfeito, e isso dava-me mais medo ainda.

Quem foram as suas influências durante toda a sua carreira?

As minhas influências no mundo da música foram várias. Primeiro a do meu irmão. A forma como eu canto, para quem me conhece e conhece as músicas dele, sempre dizem que parece o Cândido Ananaz cantar. Mas gosto muito das músicas de André Mingas, que ouvia desde criança. Ouvia muitos músicos em miúdo, como Nito Nunes, Tony do Fumo, Carlos Burity, isto falando de músicos angolanos. E depois também Djavan, Michael Jackson, Gipsy Kings. Bebi muito dessas águas... A minha música é baseada em todos esses artistas. E não podia deixar de referir Eduardo Paím, o pai, o mentor da quizomba, que influenciou directamente no músico que sou, na certeza do caminho a seguir, e multiplicou a minha vontade de querer fazer música e marcar o mercado de forma diferente e inovadora.

Qual foi o melhor momento e o mais difícil que ultrapassou, desde que iniciou a sua carreira?

Acho que nunca tive momentos fáceis na carreira. Ser músico em África, e particularmente em Angola, é extremamente complicado. Apesar de alguns apoios que tive ao longo dos anos, sempre vi dificuldade, porque para a realização de algumas actividades sempre precisamos de apoios, e nem todas as pessoas são sensíveis a poder ajudar a cultura a crescer. Nem todos têm sentido patriótico, e sentem esse dever com a pátria, e isso naturalmente faz com que o artista sinta dificuldades. Hoje que falámos em diversificação económica, a música tem um poder muito forte e ela pode ajudar. A música, a cultura, a arte na sua plenitude, ajudaria bastante, mas tem de ser auto-suficiente, e para isso é preciso investimento. Enquanto isso não acontece, vai-se dependendo de alguns apoios, e da boa vontade de alguns, e isso para mim é algo muito triste.

É dono de vários sucessos musicais, como “Uma história de amor” e “Mor, es bwe sexy”. De todo o seu repertório, qual é a sua música favorita? E o álbum favorito?

Dos vários sucessos, desde N'Sex Love ou O2, eu gosto de muitas músicas. “Nady”, “Ssono Mancero”, “Será Diferente”… Mas a música que me dá gozo cantar é “Mor”, porque acarreta uma energia melancólica, mas que ao mesmo tempo me dá alegria. É um sentimento paradoxal. É algo inexplicável. A música é tão simples, mas tornou-se muito grande depois da produção. É das poucas músicas que mais ouço.

Como foi ser mentor do primeiro “The Voice Angola”? É uma experiência a repetir?

Foi muito fixe ser mentor do “The Voice Angola”. Acho que já era sem tempo, para um show do género, fazer parte da nossa seara artística, porque é motivador e revelador de vários talentos. Eu fiquei extremamente impressionado pela quantidade qualitativa de jovens que não passaram por escola nenhuma, estou a falar em 90 por cento, porque pode ser que alguns tenho tido algum professor... É uma pena é que não sei se muitos vão conseguir realizar o sonho, em função do mercado que temos. Mas como devemos pensar positivo, eu acredito numa Angola melhor. Acredito que as coisas vão mudar um dia, a nível cultural. Estamos a aprender, somos novos em quase tudo, e temos que dar sempre uma oportunidade a nós mesmos. Mas foi giro e gostava de repetir, porque foi um show em que me diverti muito e aprendi bastante. Foi bom partilhar momentos com os meus colegas, Paulo Flores, Yola Semedo e Dji Tafinha. Acho que o país gostou, descobrimos mais talentos, e alguns vão conseguindo, com muito sacrifício, fazendo alguma coisa e conquistando o seu espaço.

O que pensa dos prémios confinados aos artistas da indústria musical?

Infelizmente muitos prémios, não só em Angola, dependem muito da conveniência de quem produz o show ou a actividade, e isso cria muitas vezes uma certa injustiça com os verdadeiros merecedores. Confesso que são poucas as vezes que fico feliz, e digo que valeu a pena. Acho que não há forma de comparar prémios, e acho que é uma coisa pouco importante naquilo que é o entendimento dos verdadeiros artistas, naqueles que são inatos. Na minha perspectiva existem os que apelam ao comércio acima de tudo, e que desrespeitam aqueles que têm o real valor. Prefiro a qualidade artística, os que passam boas mensagens para a sociedade, porque prémios por conveniência acabam por ser palhaçadas. Não quer dizer que seja sempre, mas acontece isso muitas vezes, infelizmente.

Qual foi o prémio que mais gozo lhe deu receber? Há algum prémio que ainda queira arrecadar?

Eu acho que o maior prémio que já recebi é a cobrança dos meus verdadeiros fãs, quererem me ver no mercado e acreditarem no meu potencial, e cantarem as minhas músicas, algumas com mais de 20 anos. Não há maior prémio do que isto, porque na verdade é o que todo o artista quer. Tudo o resto é apenas complemento, porque nunca cantei para isso. Se assim fosse tinha que abrir mão daqueles que são os meus valores, e lutar pelos prémios. Mas eu luto para conhecer a ciência musical, harmonias, escalas, melhorar o meu canto e melhorar liricamente. Isso é mais importante do que esse tipo de prémios, principalmente nesta altura em que, no mundo todo, a conveniência está a cima de tudo, e os valores estão invertidos. Não vou me sentir superior a um outro artista por causa de algum prémio, como vejo muitos. Sinto pena quando vejo isso, porque eles não conseguem ver o que é mais importante na seara artística.

Sente o apoio dos angolanos? O carinho dos fãs é importante para si?

O carinho dos fãs é o reconhecimento maior que nós temos pelo nosso trabalho. É como se diz, a voz do povo é a voz do Criador, logo, quando o nosso trabalho reflecte naqueles que estão diante de nós, positivamente, quer dizer que vale a pena fazer o que estamos a fazer, e estamos no bom caminho. Acho que isso é extremamente importante. No meu país tenho o apoio de muitos angolanos. Felizmente na nossa terra muitas pessoas têm moral e força de vontade em querer ver a cultura crescer, e por isso ainda se fazem muitos trabalhos e muitos shows.

Como vê o mundo da música em Angola? Há apoios para os nossos artistas?

Eu não vejo um mundo da música em Angola. Fala-se de mercado, mas eu não considero que tenhamos um mercado. Na nossa seara, os artistas e os cantores que têm uma vida confortável são muito poucos. Falta apoio, apesar de algumas pessoas contribuírem de alguma forma, para o número de artistas que somos em Angola, é muito pouco. Temos capacidade para fazer muito mais. Em momentos complicados conseguimos fazer coisas grandiosas e precisamos resgatar isso. O Ministério da Cultura tem que implementar políticas que funcionem, naquilo que é a auto-suficiência no mundo artístico.

O Walter costuma estar envolvido em actividades de responsabilidade social, principalmente as que envolvem crianças. Quer falar-me um pouco sobre esses projectos?

Costumo sim estar envolvido em projectos com crianças. Aprendi muito, por exemplo, no projecto “Criança Futuro” que foi o primeiro em qual participei directamente, como activista solidário. Essa experiência de semear amor e partilhar as nossas vidas como mentores, e como exemplos, acho isso sensacional. Por isso participo em projectos solidários, quando tenho tempo, estou sempre disponível para aderir. Acho que isso não tem preço, acho “inacredincrível”, palavra do Walter… O nosso verdadeiro papel aqui na terra é esse, partilhar amor.

O que há ainda por fazer na carreira de Walter Ananaz?

Gostava de fazer a minha música, a música da minha terra, e contribuir mais de alguma forma. Nós temos vários estilos que as pessoas precisam conhecer. Às vezes quando damos entrevistas e falamos de coisas que ainda não fizemos, há outras pessoas fazem aquilo que nós falámos nas entrevistas. São os bons aproveitadores. Espero que eles possam perceber a importância do resgate dos estilos que nós temos. E espero também poder retomar a minha carreira, fazer aquilo que gosto com condições, porque acho que tem de haver uma estrutura que apoie os artistas. Tem de haver uma flexibilidade e um compromisso patriótico na mente de muitas pessoas, para que se retomem as coisas.

Que conselhos deixa a um jovem que sonhe com uma carreira na música?

Sempre tenho dito aos mais novos que é extremamente complicado. É uma selva onde todos querem ser leões. Mas devem lutar para ocupar o seu espaço porque é difícil, mas não é impossível. Têm que acreditar que vão contribuir para a construção de um mercado que seja sólido. Não desistam porque a arte é fundamental. Temos um ministério por isso tem que haver cultura e as coisas têm que funcionar como devem funcionar.

Quais os seus planos para o futuro? Há novidades a caminho? Novos projectos?

Não posso falar de todos por causa dos aproveitadores, mesmo tendo em conta os bons aproveitadores… Mas em relação à música vou lançar um novo projecto em 2017, sem falta, e dar continuidade à minha carreira. Poder lançar-me em outros mercados em função daquelas que são as minhas pretensões, e contactos que tenho avançados, e lutar para que tudo corra bem. Acredito que vá correr e vai ser um grande projecto em 2017.

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