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Deixaram banco e computadores em Portugal para “lançar redes” em Angola

Carlos e Miguel, um bancário e um engenheiro informático, ambos na casa dos 40 anos, não se conheciam até que decidiram seguir o caminho da família, lançando literalmente a rede ao largo de Baía Farta. Hoje fazem a diferença por entre a principal comunidade piscatória de Angola.

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Aos 43 anos, o luso-angolano Carlos Fernandes é armador do “Santa Cruz”, uma traineira de 25 metros com mais de 20 tripulantes angolanos que descarrega na Baía Farta, a sul de Benguela, até 100 toneladas de sardinha e carapau por dia.

Até 2011 estava atrás do balcão de um banco em Portugal, onde sempre viveu, mas o receio da crise levou-o a arriscar a aventura no litoral de Angola - onde o pai vive há 30 anos explorando uma marisqueira -, mesmo antes que as dificuldades tivessem tempo de bater à porta.

Hoje diz-se habituado às constantes faltas de electricidade e de água ou a conduzir mais de 15 quilómetros por dia em picadas, algo que “nunca tinha feito em Portugal”. Na hora de fazer o balanço, confessa que vai valendo a pena, apesar de a mulher e os filhos terem ficado em Portugal.

“Ainda estou para ver. Até agora tem sido uma experiência engraçada. A minha realidade era estável, eu dei um bocadinho o certo pelo incerto”, explica à Lusa este ex-bancário em Portugal, que nunca sonhou em fazer vida na pesca, trabalho que aprendeu “à pressão” em Angola.

“Quando saí de lá [Portugal] estava a crise a chegar, agora está aqui. Mas na pesca não se vai sentir muito”, atira Carlos Fernandes, por entre os elogios às águas do mar de Benguela e à sua faina. “É algo extraordinário, a quantidade de peixe de que se consegue pescar todos os dias”, confessa.

Com cerca de 90 por cento da população ligada à pesca, a localidade de Baía Farta tornou-se nos últimos anos no principal centro pesqueiro de Angola, envolvendo toda a cadeia de negócio, que começa na pesca, com as suas cerca de 50 traineiras.

A actividade passa ainda pelas fábricas de congelação e embalagem de pescado que segue depois para todo o país e para a vizinha República Democrática do Congo.

Uma destas, que é também das maiores de Angola, é a Pescaria Iemanjá, onde o luso-angolano Miguel Areias, de 42 anos, é director-geral. Desta fábrica, que dá emprego a 200 pessoas, saem todos os dias 90 toneladas de peixe congelado.

Quanto a Miguel, deixou em 2015 a actividade de engenheiro informático que sempre exerceu em Portugal e os 14 anos na EDP para continuar o negócio das pescas que o bisavô iniciou em Baía Farta, já lá vão 80 anos.

“A minha vida até ao ano passado era toda ligada a projecto internacionais na vertente da segurança de informação. Hoje quase não pego num computador e a vida virou completamente”, começa por contar, por entre sorrisos.

Pouco mais de um ano depois, não tem dúvidas em avaliar a mudança: “Deveria ter vindo mais cedo. Gosto mais disto, não tenho dois dias iguais, não consigo prever a próxima hora”.

Daquela fábrica saem todos os dias o equivalente a três camiões carregados com peixe congelado, sendo esta apenas uma das cerca de dez do género de Baía Farta.

“A Baía Farta encontra-se muito perto da corrente de Benguela, que é uma das mais ricas áreas [de pesca] a nível mundial. A qualidade da nossa água, a temperatura da água, que esta semana tem andado à volta dos 31 graus, são condições a nosso favor”, explica Miguel Areias.

Nesta zona a pesca é feita por cerco e as embarcações saem para a faina à tarde para regressarem a terra antes do amanhecer e sobretudo a tempo de descarregar o pescado fora do pico do calor.

Também por este motivo não é de estranhar que várias fábricas apenas para produção de gelo tenham nascido ao longo dos anos em Baía Farta, para fornecer sobretudo as embarcações mais pequenas, que precisam de conservar as capturas.

É isso que faz há quatro anos Joaquim Furtado. Na fábrica Fripescas, este luso-angolano de 63 anos produz 45 toneladas de gelo por dia, com 18 trabalhadores. Também ele decidiu, em 2003, regressar a Benguela.

“Isto é o meu país, a minha terra, estou satisfeito aqui. Nem tudo são rosas, mas não me dou por arrependido, longe disso”, garante este veterano do sector entre os luso-angolanos na Baía Farta.

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