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Cultura

Paulina Chiziane defende ponte entre passado e futuro para continuidade da libertação africana

A escritora moçambicana Paulina Chiziane, Prémio Camões em 2021, defendeu esta Quarta-feira, em Luanda, que é preciso criar a ponte entre o passado e o futuro, deixando o legado às gerações mais novas para continuidade do processo de libertação africana.

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Paulina Chiziane, que se encontra em Angola, a convite de artistas angolanos, foi recebida pelo ministro da Cultura, Turismo e Ambiente, Filipe Zau, com o qual abordou aspectos ligados à cultura entre os dois países.

"O ministro é uma pessoa afável, extremamente culta, uma pessoa que está muito comprometida com todo este processo de libertação", referiu Chiziane.

Segundo a escritora, os povos africanos receberam uma terra livre "porque outros morreram por ela".

"Criaram-se instituições nos nossos governos e estas instituições tentam fazer alguma coisa, mas, claro, quem faz a revolução não é o Governo é o seu povo, então ao sermos recebidos como artistas por um alto dignitário do Governo é motivo de muita alegria e honrou a nossa presença aqui em Angola, sentimos muito bem acolhidos, sentimos amados e juntos voltamos a sonhar com uma África mais livre, tal como os nossos ancestrais sonhavam", frisou.

Para Paulina Chiziane, há uma geração nova e, por isso, com os seus 66 anos lida com jovens artistas, a maior parte cantores, alguns poetas, "porque é preciso criar esta ponte entre o passado e o futuro, é preciso deixar um legado de alguma forma".

A romancista referiu que se deslocou a Angola a convite de dois jovens artistas angolanos, o cantor Yuri da Cunha e o pensador e 'rapper' Isidro Fortunato, amigos com os quais vem trabalhando há bastante tempo.

"Um dos meus livros que vai ser lançado aqui em Angola foi musicado por um grupo de jovens músicos em Moçambique, porque, para nós os africanos, o livro é elitista, isto é, só lê um livro quem tem dinheiro para comprar, quem frequentou uma escola, mas a música mesmo que eu não tenha dinheiro para pagar a música, se é colocada na casa do vizinho, a mensagem passa e eu consigo escutar", salientou.

Por isso, prosseguiu, numa certa fase da sua carreira optou por escrever textos que hoje são musicados por jovens artistas moçambicanos.

"Yuri da Cunha é músico e quem sabe um dia poderemos trabalhar em parceria, eu escrevendo, ele cantando, se bem que eu também gostaria de cantar", disse.

Já com Isidro Fortunato, existe uma afinidade, "que é a liberdade de todos os africanos".

"Todos nós africanos temos uma história comum de ocupação, colonização, escravatura, colonialismo, imposição da cultura do outro, coisa que durou séculos e hoje ressentimos, porque o novo colonizador, em algumas das ocasiões, já não é o estrangeiro, mas nós próprios e isso devido ao fenómeno da auto negação causada por cinco séculos de imposição de outras culturas", vincou.

De acordo com a escritora, as conversas com os jovens são também "sobre este caminho que a África inteira tem que fazer para continuar as lutas de libertação".

"É verdade que depois das independências os nossos países enfrentaram diferentes guerras civis, isso de certa maneira quebrou este círculo de harmonia que existia entre os povos que falam português, que falam inglês e outros que falam as nossas línguas, que são tantas e são tão bonitas", acrescentou.

O fenómeno da globalização "abalou um pouco mais", segundo Paulina Chiziane, "mas é preciso continuar a lutar, usando a estratégia ancestral de comunicação".

"Da mesma forma que os nossos líderes se comunicavam para conseguir a independência, nós temos que continuar também a lutar por esta libertação", defendeu.

Relativamente ao Prémio Camões, Paulina Chiziane realçou que em 33 edições "foi a primeira vez que uma pessoa de pele negra e bantu recebeu esse prémio e ainda por cima mulher": "Isso tem muito significado para todos nós africanos".

"Numa das minhas intervenções, disse que, francamente, foi reconhecido que Luís de Camões veio a África, ensinou-nos a sua língua, aprendemos a língua dele e usamo-la tão bem que merecemos um prémio", disse.

"Este pode ser o momento de convidar também o Luís Camões a aprender as nossas línguas, porque a língua é um património. Se eu aprendi o português, porque é que ele não pode aprender a minha?", questionou.

O programa de visita da escritora prevê para esta Quinta-feira um almoço-'live' com Yuri da Cunha, onde vão ser abordados vários aspetos sobre a cultura e a presença da escritora em Angola, estando para Sábado e Domingo previsto um evento denominado "Reflexo do Yuri da Cunha e Valter Ananás" com a escritora.

Na Segunda-feira, o programa prevê um "Diálogo Cultural Especial" com a escritora, com várias mulheres angolanas, onde se pretende passar uma mensagem sobre o empoderamento da mulher africana.

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