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Cafunfo: garimpeiros arriscam a vida pela “camanga” mas diamantes valem cada vez menos

Na vila mineira de Cafunfo, muitos arriscam a vida no garimpo ilegal para conseguir algum rendimento, mas a descida dos preços dos diamantes, maioritariamente comprados por senegaleses, tornou a vida ainda mais difícil.

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A Operação Transparência, uma acção do Governo que visava combater o tráfico de diamantes e a imigração ilegal, trouxe dificuldades adicionais a quem vê na "camanga" (diamante) uma possibilidade de sair da miséria.

Muitos, sem terem licença, continuam a desafiar as regras e a tentar iludir a vigilância dos seguranças da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), a empresa diamantífera participada pela estatal Endiama e que faz a exploração de diamantes na zona.

Alguns tentam subornar os seguranças, outros são apanhados e espancados, muitos acabam mortos no rio Cuango, dizem fontes contactadas em Cafunfo pela Lusa.

"Dependemos do garimpo de diamantes, mas sempre que vamos nas matas não temos as chances de trabalhar. Pagamos, mas sempre vem a segurança da mineira do Cuango, começam a enxotar-me e apreender os materiais e, ultimamente, a corrida provoca sempre mortes perto do rio Cuango, morre lá muita gente", queixa-se Dorício Joaquim Almeida, desempregado e morador do bairro Ngulue.

O soba (autoridade tradicional) Gonçalves Daniel reconhece que os diamantes são uma riqueza para o povo.

Mas diz que o Governo deu orientações para que o povo não se aproximasse da zona mineira, explorada pela SCM, uma empresa que no livro "Diamantes de Sangue", do activista e jornalista Rafael Marques, é associada a abusos dos direitos humanos, esquemas de corrupção e destruição das lavras dos camponeses.

"Só pode cavar à distância, falou assim o governo, só podem ir cavar os diamantes a 50, a 100 quilómetros", sublinha.

A Operação Transparência "obrigou a retirar as pessoas e levou os irmãos congoleses para as fronteiras, mas ainda assim as pessoas continuam a voltar, há muitos que estão a cavar", acrescenta.

As pedras são vendidas a estrangeiros, sobretudo senegaleses, "que têm mais dinheiro e podem comprar diamantes", segundo o soba.

Em Cafunfo, as casas modestas destes compradores saltam à vista no meio da miséria generalizada. São as únicas pintadas e arranjadas, estão defendidas por seguranças e cercadas com arame farpado, evidenciando o estatuto económico dos seus moradores, que se destaca na pobreza da vila mineira da Lunda Norte.

Antes da Operação Transparência vendiam-se os diamantes mais caros, admite Gonçalves Daniel. Hoje, "não há bom preço".

A maioria dos jovens não tem emprego porque também não há empresas onde possam trabalhar. "A única empresa que temos é a mina Cuango, mas são poucos os que estão lá", refere.

Quase toda a população, sobretudo os mais velhos, dedicam-se "ao cultivo", enquanto os jovens tentam a sua sorte no garimpo.

"Mas quando vão lá são enxotados, não podem aproximar-se da mina, essa é a realidade. Se forem apanhados, batem-lhes e expulsam", adianta o soba.

Dorício Joaquim Almeida lamenta que o Governo não cumpra as suas promessas. "A administração municipal do Cuango convocou comerciantes das lojas para fazer uma contribuição das estradas e, de facto, cobraram os valores, mas não estão a fazer as estradas, estamos assim há dez anos", conta à Lusa.

No bairro onde mora, a poucos quilómetros do centro de Cafunfo, não se veem carros a circular nos caminhos quase intransitáveis e repletos de lixo onde, apesar da pobreza, a alegria das crianças parece trazer consigo a esperança de melhores dias.

Ali praticamente todos andam a pé e alguns jovens gingam, habilmente, as motas entre os ressaltos do caminho de terra batida.

A estrada que atravessava o bairro abriu-se há anos numa enorme ravina que as chuvas e o desleixo foram aumentando até se tornar num perigo intransponível.

"Nunca resolveram, as máquinas estão paradas, mentiram, prometeram emprego para a juventude e até agora não há empregos", critica o jovem.

Há pouco mais de uma semana, vários moradores de Cafunfo perderam a vida num confronto com a polícia. O balanço de mortos varia entre seis, segundo a polícia e 25, de acordo com os organizadores do protesto.

As autoridades dizem que se tratou de um "acto de rebelião", por alegadamente ter envolvido 300 elementos do Movimento Protetorado da Lunda Tchokwe, mas as organizações não-governamentais e os bispos católicos consideraram os acontecimentos como um "massacre".

Fartos de promessas, muitos moradores de Cafunfo assumem a revolta e a insatisfação com as condições em que vivem, mas preferem não falar.

A falta de uma estrada digna desse nome foi apontada como um dos principais motivos na origem do protesto que teve um desfecho mortal.

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