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Escritora portuguesa de origem angolana é objecto de um estudo académico em Portugal

A escritora portuguesa de origem angolana Djaimilia Pereira de Almeida é a primeira autora afrodescendente objecto de um estudo académico em Portugal, publicado em livro pela Universidade do Minho, que destaca a sua interpretação de um país colorido.

: Bantumen
Bantumen  

"Djaimilia Pereira de Almeida: Tecelã de Mundos Passados e Presentes" é o nome da obra, coordenada por duas investigadoras, Sandra Sousa e Sheila Khan, esta última também escritora, a par da investigação que realiza, enquanto socióloga, com foco nos estudos pós-coloniais.

"É a primeira obra de uma escritora afrodescendente, com uma experiência no espaço da diáspora africana europeia, neste caso a sociedade portuguesa", disse Sheila Khan à agência Lusa, sublinhando que este "é um primeiro livro dedicado a uma obra já consolidada, que abre de certa forma uma porta para os estudos da literatura da afro descendência".

E prosseguiu: "Não é uma literatura fechada em si, é uma literatura muito comprometida com o dever de hospitalidade, fraternidade, de abrir espaços de diálogo, de relação entre o passado e o presente".

Através desta obra do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, as autoras demonstram como Djaimilia está a abordar "as realidades sociais" e a fazer um trabalho de "pensamento da realidade social".

"O trabalho da Djaimilia, a partir da literatura da ficção e do ensaio, é um contributo para estudar, analisar e mapear as nossas realidades", disse.

Para Sheila Khan, Djaimilia faz este trabalho "a partir da literatura, do mapeamento, do pensamento social do contemporâneo", a par de "uma incursão ao passado, através das suas personagens, que traz para o presente".

Sobre o mais recente livro da escritora de origem angolana – o ensaio "O que é ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo" – Sheila Khan afirma: "É um mapeamento, um tratado sociológico, histórico e antropológico sobre quem somos, qual a importância do nosso passado, de estudar esse passado e a importância de trazer esse passado para o espaço da sociedade civil portuguesa".

"Fosse eu minha trisavó, preta de carapinha dura, e o meu destino seria o chicote. Ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo, uma mulher deste tempo, é escrever contra esse facto, carregando-o às costas, sem deixar que ele me tolha", escreve Djaimilia neste ensaio.

"Ela é tão criativa, com um sentido de multiplicidade, que nenhum dos seus livros é uma repetição ou uma síntese do anterior, traz sempre novas camadas para entendermos melhor o que é este Portugal pós-colonial de expressão portuguesa", prosseguiu Sheila Khan.

Com esta publicação da Universidade do Minho, a investigadora e escritora espera contribuir para abrir uma porta à literatura, pensamento e tradição afrodescendentes.

E sobre os escritores afrodescendentes refere que chegaram a Portugal muito novos, com os pais, e já cresceram no "Portugal pós 25 de Abril".

"Vão crescendo na sociedade portuguesa, mas apercebem-se que vivem nesta dualidade, nesta ambivalência. Muitas vezes pelas suas características, são vistos como não portugueses, sendo portugueses; porém, não têm muita relação umbilical com os espaços originais dos seus pais, mas vivem muito com as memórias, experiências feitas por transmissão, por registo de rituais – a nível da gastronomia, da música, do vestuário – que vão absorvendo, acolhendo em si".

Estes afrodescendentes "vão percebendo que também têm uma voz, um pensamento, que pode ser rico, não só para eles, como um marketing subjectivo, mas rico no sentido de interpelar o pensamento social e dizer que não há uma história única, há várias histórias, não há apenas uma forma de contar a história de Portugal, de Moçambique ou da Guiné-Bissau, ou Angola, no caso da Djaimilia, mas várias histórias que têm de estar presentes".

"É uma geração que não está presa à geração dos pais", disse, explicando que essa prisão é a da sobrevivência, de ter dinheiro para pagar as contas – que naturalmente também preocupa esta geração –, mas não tem as mesmas urgências que a geração anterior, que teve de recomeçar de novo, vir para um país que, não obstante ter a mesma língua, foi um país que os estranhou".

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