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Walter Fernandes: “Em termos culturais a nossa sociedade ainda não está preparada para aceitar a fotografia”

Nascido e criado em Luanda, teve o primeiro contacto com a fotografia em criança, mas sonhava ser piloto, influenciado pelo pai. Foi crescendo, e o interesse pela técnica dos equipamentos fotográficos também, o que o levou a uma paixão que nunca mais terminou. Teve formação na fotografia comercial e até hoje é a que mais gosta de fazer, pelo detalhe e preparação necessários. Criou o seu próprio estúdio, o Photo Atelier, mas admite que em Angola “é ingrato ser fotógrafo” pela falta de formação na área, e pela constante comparação com profissionais de outros países, com mercado e equipamentos mais evoluídos. Aos 37 anos, o vencedor de um prémio Maboque de fotojornalismo, pretende continuar a trabalhar em projectos fotográficos relacionados com a edição de livros, “pois estes ficam sempre como registos para as próximas gerações”.

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Walter, em primeiro lugar fale-me sobre si... Onde nasceu e cresceu, onde e o que estudou, que idade tem...

Nasci em Luanda, em Fevereiro de 1979. Sempre vivi em Luanda, nos bairros da Samba e Maianga. Estudei o 1.º ciclo no Pioneiro Zeca, posteriormente Ngola Kanini e Ngola Kiluanji, e o ensino médio em Ciências Sociais pelo Puniv [Centro Pré-Universitário da Ingombota].

De onde veio o gosto pela fotografia? É uma paixão?

Tenho boas memórias de registos fotográficos do meio familiar, em que o meu pai tinha uma Canon, Point & Shoot de uso doméstico, mas nunca fora algo feito com o intuito profissional. Não posso dizer que na altura tenha sido uma paixão, mas actualmente faço com paixão, porque parte desse interesse, sempre foi a curiosidade pelo domínio técnico dos equipamentos, desde a iluminação, a montagem do set fotográfico, dentro e fora do estúdio, a pós-produção. O desafio da superação acaba por nos envolver e fazer olhar com dedicação… Essa é a minha paixão, a superação pessoal.

Era um sonho de criança ser fotógrafo?

Não! Queria trabalhar na aviação civil, pois sempre foi ao que tive exposto pelo meu pai.

Quais as suas influências? Tem algum artista ou fotógrafo que o inspire?

No que diz respeito ao meu processo de formação, passei cinco bons anos na Executive Center, que foi a minha escola de audiovisuais, onde conheci o fotógrafo Sérgio Afonso, que teve um papel preponderante na minha formação de base, na fotografia comercial/publicidade e reportagens. Por outro lado, há nomes incontornáveis da fotografia, com o Sebastião Salgado, David LaChapelle, Steve McCurry, Helmut Newton e Annie Leibovitz, que fazem parte da minha base de trabalho e pesquisa. Pontualmente, é por eles que passa a minha inspiração, o que não quer dizer que o resultado final seja igual… (risos)

Que tipo de fotografia mais gosta de fazer?

Gosto da fotografia comercial/publicidade, por ser mais preparada e em determinados aspectos e detalhes serem programada ao detalhe. Quanto aos retratos, são para mim, uma das categorias mais difíceis de se obter os melhores resultados, mas é outro campo que gosto de explorar, para além da fotografia de arquitectura, que tem estado mais presente, nos últimos tempos, em alguns trabalhos que executo. E sim, é uma nova paixão poder ver as magníficas obras do Modernismo, fotografadas noutros tempos, e que servem de referência actualmente.

Como é ser fotógrafo em Angola?

É ingrato ser fotógrafo em Angola. Primeiro porque não tens escolas ou academias, com cursos certificados para poder evoluir, e porque se está constantemente a ser comparado com os profissionais da Europa ou América, que têm mercados de trabalho muito mais evoluídos, e com um parque de equipamento fotográfico muito vasto e muito mais desenvolvido. Para além do valor que se dá ao trabalho de fotografia nestes mercados, ao passo que em Angola é muito complicado viver só da fotografia, pois se encararmos o ofício como sustento, é muito complicada a sobrevivência. Portanto, estamos sempre a remar contra a maré.

Há algumas oportunidades no mercado de trabalho, mas é um mercado pouco estruturado e com uma margem muito grande para a especulação, e para a concorrência desleal. E não me parece que vá mudar tão cedo, pois em termos culturais, a nossa sociedade ainda não está preparada para aceitar a fotografia. Embora que as novas tecnologias e smartphones, sejam uma porta de abertura para uma evolução visual/gráfica em Angola.

A fotografia exerce um papel, ao longo dos anos, na preservação da memória colectiva de uma sociedade em construção, e dos factores sociais que promoveram determinadas mudanças. Logo, se os fotógrafos e a fotografia não são valorizados, como poderemos valorizar no futuro a nossa identidade e memória?

E prefere fotografar no país ou lá fora? 

Depende do que se pretende, não posso dizer que tenho uma preferência. Já estive em vários locais, e é igualmente agradável de se trabalhar, principalmente se estivermos a falar de disponibilidade de equipamentos, suporte técnico e autorizações para se poder fotografar, pois em Angola todos os polícias e seguranças olham para ti com uma certa desconfiança… Resquícios de um passado recente...

Já conta com um grande repertório de trabalhos publicados, exposições e fotografias expostas... Qual foi a sua melhor exposição?

Até ao momento foi a exposição conjunta itinerante com a World Press Photo e a Unesco, que começou em 2009 no Parque das Nações, em Lisboa, e esteve na sede da

Unesco, em Paris, e na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Tem algum trabalho que tenha feito que seja o seu favorito? Porquê?

Há pelo menos dois que marcam com muita clareza esta caminhada: o trabalho com a World Press Photo e a Unesco com o Banco Besa, e o projecto do livro “Angola Cinemas”. O que tem de especial foram as pessoas envolvidas no projecto, que agregaram muito valor ao que se estava a fazer. Nesses momentos reparas que estás a crescer, pois estás a absorver e a partilhar informação, cultura e outros aspectos, que têm que ver com os locais onde trabalhas ou desenvolves o projecto.

Em 2009 descobriu outra faceta da fotografia, o fotojornalismo. Descobriu também uma nova paixão pela fotografia?

Não lhe chamo paixão, mas sim um ampliar da realidade vista pelo fotojornalismo, que transmitindo a realidade nua e crua, pode ser difícil de se aceitar para quem vê, e para quem fotografa um choque, dependendo do trabalho que se está a desenvolver, pois posteriormente temos que lidar com outras ondas de choque causadas pelo trabalho.

Em 2012 criou o Photo Atelier, o seu estúdio de fotografia. Pode falar-me sobre este projecto?

Sim, foi logo após ter ganho o prémio Maboque, na categoria de Fotojornalismo. Já tinha o desejo de ter um estúdio de fotografia, que produzisse conteúdos para o segmento corporativo. Na altura estava em outro projecto, e acabei por sair e continuar como prestador de serviços. Mas em 2015, foi o verdadeiro teste, e tive que abdicar do estúdio e reformular o projecto, de maneira mais objectiva, com vista à manutenção no mercado.

Em que outros projectos já esteve envolvido no nosso país? E no estrangeiro?

São inúmeros. Desde a inauguração da rede de supermercados “Nosso Super” pelo país, diversos trabalhos pelas províncias, a minha colaboração com a Media 24 África durante seis anos, a conferência sobre as ”Cidades da Cultura”, em Accra 2012, exposição no Brasil sobre a comemoração dos 10 anos de Paz… São marcos importantes nestes 13 anos… O projecto do livro “Retrato da Nova Angola”, com a Fundação Escom, mas sem sombra de dúvidas que o projecto com o Goethe Institut Angola, “Angola Cinemas”, foi um dos mais gratificantes, pois pude ter a honra de conhecer e trabalhar com um dos mais conceituados publishers a nível mundial – Gehard Seidl – em Goyngen, Alemanha.

Que desafios já enfrentou enquanto fotógrafo?

Chegar a um local e não saber o que fotografar, partir o flash antes do evento, ser detido pela policia… (risos) Mas o verdadeiro desafio é estar a altura para poder superar os obstáculos, e isso só o sabemos quando nos deparamos com eles, pois está sempre a acontecer no dia a dia.

Já recebeu prémios de fotografia tanto em Angola como internacionalmente... Qual foi o que lhe deu mais gozo receber?

Internacionalmente foram colectivos/agência, mas o que deu mais gozo claro que foi o prémio Maboque de fotojornalismo, em 2010.

Há algum prémio que gostaria de ver ser-lhe atribuído?

Não acho que haja algum prémio que me deva ser atribuído! Tenho pouco mais de 10 anos de carreira, e isso não é nada. Há muito para se trilhar, pois os prémios são um reconhecimento pelo trabalho, mas não é uma garantia eterna ou o sucesso absoluto. Quem pensar o contrário tem uma morte lenta garantida, portanto todos os dias são dias de nos reinventarmos, e corrermos atrás de novas soluções e ideias, e com toda a certeza que o maior prémio é a sustentabilidade do profissional, no mercado de trabalho.

Para terminar, quais os seus projectos para o futuro no mundo fotográfico?

Continuar a trabalhar em projectos que envolvam a edição de livros, pois estes ficam sempre como registos para as próximas gerações.

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