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Arqueóloga portuguesa lidera única empresa em África que faz trasladação de campas

A exploração de recursos minerais em África envolve a deslocação de comunidades inteiras, afectando também a memória dos seus antepassados e obrigando à trasladação de sepulturas, um procedimento nem sempre desvalorizada e que pode gerar conflitos.

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Foi neste nicho de mercado que arqueóloga portuguesa, Sandra Rodrigues, viu uma oportunidade, fundando a única empresa em África vocacionada para este serviço, que declara ser “fundamental” como forma de respeitar os valores e cultura locais.

A directora e fundadora da PGAS Heritage, juntou-se em 2018 ao sócio sul-africano Wouter Fourie para oferecer serviços diferenciados de consultoria no âmbito patrimonial, em particular para grandes projectos de mineração e de exploração de petróleo e gás, e opera actualmente em Moçambique, África do Sul e Lesoto.

“Fazemos estudos preliminares a nível de consultoria social e patrimonial, com uma valência única no continente que é a trasladação de sepulturas”, um trabalho que envolve escavações arqueológicas e equipas multidisciplinares, que vão desde as especialidades forenses, à arqueologia, geologia e geofísica.

A PGAS Heritage está envolvida actualmente na trasladação de 1200 campas numa vasta área do norte de Moçambique, onde a petrolífera francesa Total adquiriu, em 2019, à Anadarko a exploração de gás natural na Bacia do Rovuma, um dos maiores projectos actualmente em curso em Moçambique e em África.

“Estamos em Cabo Delgado, ainda na fase de reassentamento das comunidades. É um projecto que começamos em 2016 e temos cerca de 1200 campas para trasladar”, adiantou a responsável da empresa.

Durante esse ano inicial, foram feitos estudos preliminares que envolvem diferentes formas engajamento social e promovidas consultas públicas, para sensibilizar as comunidades para os aspectos positivos dos projectos para que “os encarem de forma mais leve, percebendo que os seus valores e as suas crenças e os restos mortais dos seus antepassados são respeitados”.

O que nem sempre acontece: “em alguns projectos de larga escala não são acutelados estes princípios, fazem-se as coisas à revelia daquilo que são as melhores práticas internacionais” o que poderá desencadear a revolta das comunidades, o que aconteceu inclusivamente em Moçambique com projectos “que não foram conduzidos da melhor forma”, notou a arqueóloga.

Além da deslocação física e do reassentamento de comunidades inteiras, é necessário também proceder à trasladação de “todo o património cultural”, incluindo o imaterial.

“Os sítios sagrados têm de ser contemplados nestes trabalhos como forma de respeito pelas comunidades”, sublinhou Sandra Rodrigues.

No que diz respeito às sepulturas, aplicam metodologias distintas, em função da antiguidade, incluindo práticas da arqueologia corrente, mas também da arqueologia forense, explica.

O procedimento obriga também a acautelar a gestão de resíduos e adotar procedimentos que salvaguardem a higiene e segurança dos trabalhadores e das comunidades envolvidas, adianta Sandra Rodrigues, salientando que “há dezenas de [organismos] patogénicos que se libertam quando se abre uma sepultura”. “É um trabalho único”, reforça.

O projecto que estão a desenvolver neste momento no Norte de Moçambique mobiliza cerca de 30 trabalhadores, entre mão de obra não qualificada, que “escava a primeira fase”, arqueólogos, geólogos, engenheiros, especialistas em informação geográfica e geofísica ou antropólogos.

“Uma das componentes do nosso trabalho é a consulta social e isso implica o envolvimento com as comunidades. São processos multidisciplinares e que levam muito tempo”, assinala a empresária, acrescentando também que a existência de múltiplas línguas locais implica também o recurso a tradutores.

Mas Sandra Rodrigues diz que há ainda “muito por fazer” para que mais empresas percebam a necessidade desta forma de trabalhar.

“Pelo que nos é dado a perceber ainda não apostam muito. Embora façam necessariamente os estudos de impacto obrigatórios por lei, a parte social não é tão acautelada como era suposto”, afirma a propósito dos promotores dos grandes projectos de exploração de recursos minerais.

“Muitas empresas não fazem uma avaliação de risco inicial, que contempla uma abordagem inicial com recurso a estudos comunitários e a possível trasladação de bens materiais e imateriais da parte cultural das comunidades. Não havendo esta sensibilização as empresas podem achar que é um grande investimento, que não vale a pena e depois a médio e longo prazo acaba por ter efeitos extremamente negativos”, sublinha.

Pelo contrário, quando é feita uma avaliação de risco e desenvolvido um projecto estruturado “seguramente o risco de adversidades com as comunidades e até riscos ambientais são acautelados”

A empresa esteve recentemente em Angola, para participar na primeira Conferência e Exposição Internacional sobre o sector mineiro, o que Sandra Rodrigues considerou ser um bom augúrio.

“Ficámos agradavelmente surpreendidos com o convite para estarmos representados e ficámos ainda mais agradados com o facto de o Presidente de Angola ter concluído o seu discurso de abertura, dizendo que era fundamental promover o respeito ambiental e o respeito pelas comunidades locais no âmbito deste projecto”, destacou.

Para a directora da PGAS Heritage, este “é um bom augúrio” e poderá abrir futuras oportunidades neste mercado.

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