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Manifestações e as redes sociais em Angola

Edmilson Ângelo

Fundador e director-geral da ONG internacional Change 1's Life (Mude a Vida de Alguém). Mestre em Estudos Africanos pela Universidade de Oxford e doutorado em Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Sussex. Professor universitário na Royal Holloway University of London.

Estamos a vivenciar a solidificação das redes socias na esfera política em Angola e o início da “meme-ificação” do poder executivo como um todo. Estas novas tendências digitais lideradas pela juventude, não devem ser vistas como influencias do partido X ou Y, mas sim, como verdadeiras evoluções de um estado democrático de direito aonde a juventude representa a principal voz social.

: Sapo
Sapo  

Mesmo em tempos de pandemia e com várias restrições estabelecidas pelo governo angolano no âmbito da luta contra a Covid-19, manifestações organizadas por meio das redes sociais e lideradas por jovens de diversas classes sociais em todo o país (assim como na diáspora), continuam a ocorrer. A juventude angolana tem expressado as suas preocupações, descontentamento e fúria com o nível de brutalidade policial, a corrupção, o desemprego, o aumento do custo de vida, as eleições autárquicas assim como a perda da liberdade de expressão e manifestação, encontrou com as redes sociais um espaço de criação de identidade política, mobilização de massas e meio de fiscalização ao funcionamento do estado.

É contraproducente não aceitarmos o facto de que estamos perante uma nova Angola aonde a referência de prosperidade para juventude, deixou de ser o fim da guerra civil, e passou a ser as promessas políticas feitas pelo partido no poder vis-à-vis a realidade socioeconómica da maior parte da população angolana que contradiz com as promessas feitas, como descreve o autor Ricardo Soares de Oliveira (2015) no seu livro “Magnifica e Miserável: Angola desde a Guerra Civil”.  

Se olharmos além-fronteiras, podemos observar que a proibição de manifestações pacificas por parte da juventude, acaba por servir de combustível para uma maior pressão e instabilidade social em qualquer parte do mundo. Em África por exemplo, países como Nigéria, Quénia, Africa do Sul entre outros, servem de exemplos práticos e adaptáveis à nossa realidade, que provam o qual a inclinação habitual por parte dos governos na resistência e proibição da liberdade e direito de manifestação do povo, já não tem o mesmo resultado sociopolítico a nível da receptividade pacífica por parte da sociedade civil, principalmente da juventude. Mais do que a Covid-19, esta nova dinâmica sociopolítica da juventude por volta do continente Africano, tem muito a ver com o avanço digital e o uso das redes socias em África. Angola começou agora a viver e sentir definitivamente o fenómeno da liberdade digital. Mas como foi que chegamos até aqui em 3 anos? Que tipo de liberdade digital teremos em Angola daqui para frente?

Até 2017 a plataforma WhatsApp, por via de grupos privados, era o principal espaço político digital no que tange a interacção aberta entre a juventude Angolana. Todavia, as eleições de 2017 e as imediatas decisões políticas por parte do presidente eleito João Lourenço, abriram um espaço de liberdade digital irreversível. A abertura de uma conta presidencial nas plataformas Twitter e Facebook, assim como as constantes respostas por parte do governo as notícias partilhadas nas redes sociais são exemplos concretos das chaves de abertura deste novo espaço político digital em Angola jamais visto.

Do ponto de vista do poder executivo, começa a ser visível que os espaços digitais abertos pela actual governação, tinham unicamente o objectivo de promover uma simulada percepção de maior proximidade entre governantes e governados, tendo como foco primário a juventude. Porém, como em qualquer parte do mundo, a abertura destes espaços políticos por parte do poder executivo, fortaleceram elevadamente as redes sociais tornando-as em verdadeiro instrumento de fiscalização, mobilização, comunicação e fonte de informação política credível. 

Os vários hashtags recentemente criados e partilhados pela juventude angolana nas redes sociais (#VaisGostar, #NãoéessaAngolaQueSonhamos entre outros), não devem ser vistos como meras tendências juvenis numa era digital, mas sim como expressões de comunicação política que estão a dar primórdio a uma nova identidade política entre a juventude Angolana. Adicionalmente, se olharmos e acompanharmos estas novas tendências digitais com lentes académicas, vamos perceber que alguns desses hashtags podem servir de barómetro de análise dos novos comportamentos políticos da juventude angolana e o impacto dos mesmos nas próximas eleições gerais, e possíveis eleições autárquicas. Datas do género, poderão servir de grande valia para a preparação de um plano de estratégias de desenvolvimento e inclusão da juventude angola. 

As recentes dinâmicas sociais por parte da juventude, é certamente um reflexo da solidificação das redes sociais na esfera política do país. Este modelo informal de participação política por meio da internet, deve ser abraçado e não limitado ou proibido uma vez que fortalece o processo de democratização de qualquer país, e quando bem utilizada ajuda bastante na aproximação e relação entre governantes e governados. Por se tratar de um espaço político até certo ponto incontrolável, qualquer tipo de limitação ou proibição a liberdade digital, resultará em contestações virtuais (por vezes sem limites) amplamente partilhadas pelos internautas. Actualmente as redes sociais são para muitos jovens o principal recurso de defesa contra o estado, e a recente onda de memes políticos direccionados ao poder executivo são reflexo deste fenómeno.  

O que são memes políticos? 

Memes de Internet, é uma expressão utilizada para caracterizar uma ideia ou conceito, que se difunde através da web rapidamente. O mesmo pode ser uma imagem, vídeo, frases, links, entre outros, que são espalhados por intermédio das redes sociais e não só.  

Por sua vez, memes políticos de acordo com Chris Tenove (2019), são enquadramentos visuais propositadamente projectados em forma de piadas de uma figura pública ou questão política. Os memes representam hoje um novo género de comunicação política que funcionam quando possuem os seguintes atributos: ser amplamente partilhado, ajudar a cultivar um sentimento de pertencer a um "grupo" e ser capaz de apresentar uma ilustração normativa convincente e engraçada sobre uma figura pública ou questão política.

Eles são facilmente criados, consumidos, alterados e disseminados, e podem comunicar rapidamente a posição do criador sobre o assunto. Quanto mais forte for a resposta emocional provocada por um meme político, maior será a intenção de partilhá-lo. 

A recente onda de memes políticos direccionados ao poder executivo em Angola, que nascem em resposta ao artigo 333.º do novo Código Penal angolano a entrar em vigor em Fevereiro de 2021, são reflexos da evolução e solidificação das redes sociais na nossa esfera política, bem como visíveis mudanças do contrato social entre quem governa e quem é governado do ponto de vista da juventude angolana.

Uma vez que os memes são expressões e ilustrações ambíguos que exigem interpretação da gramática visual, é difícil rastear as suas proveniências e responsabilizar seus criadores. Adicionalmente, o elemento “piada” que os memes detêm, tornam qualquer processo de penalização complexo. Por exemplo, quando internautas partilham memes que simbolizam o racismo ou preconceito contra uma raça ou comunidade, os mesmo podem contestar a interpretação do meme usando o fundamento de que se trata de uma mera piada.

 Isto para dizer, que a natureza penal do artigo 333.º que trará uma “demonstração de força que ameaça a liberdade de pensamento, expressão e criação”, pode vir a ter um efeito dominó muito perigoso para o processo democrático e estabilidade sociopolítica do país. Os sinais do grande papel das redes sociais na esfera política está cada vez mais patente, e tudo indica que a partir do próximo ano o direito e a liberdade digital serão grandes temas para o debate publico. 

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