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Ruth Mendes: Angola independente ainda está em construção mas é o “ganho maior”

A Angola independente com que sonhou ainda está em construção, mas “não há ganho maior” para Ruth Mendes, uma das duas únicas mulheres presas pela polícia portuguesa e deportada para o campo de concentração de São Nicolau, no Namibe.

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Luísa Inglês, Arminda Faria, Isabel Peliganga, são alguns dos nomes destacados por Ruth Mendes na luta pela independência, aos quais junta ainda "as manas de Bolongongo, de Kiaji, dos Dembos, do Piri, um grupo de senhoras, praticamente anónimas" da região norte.

"De facto eu destaco aqui, pelo papel que elas tiveram, o próprio tratamento que tiveram em São Nicolau", onde faziam "os piores trabalhos", disse a ex-militar Ruth Mendes, frisando o papel relevante das mulheres na luta pela independência de Angola, cujo 45.º aniversário se comemora na Quarta-feira.

Hoje deputada à Assembleia Nacional, pela bancada parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), um dos três movimentos que participou na luta pela libertação colonial portuguesa, Ruth Mendes, era uma jovem militar de 20 anos quando a 11 de Novembro de 1975, foi proclamada a independência do país.

Naquela data, já se encontrava em Luanda, depois de ter sido presa pela PIDE, com 17 anos, em 1973, e deportada, em Janeiro de 1974 para o campo de concentração de São Nicolau, contou Ruth Mendes, que hoje ostenta a patente de brigadeiro, na reforma.

"No dia 11 de Novembro estava em Luanda, fiz questão de estar na Praça da Independência, para assistir ao içar da bandeira e à proclamação da independência", disse Ruth Mendes, expressando que o momento "era de muita ansiedade".

"Eu era militar e nos dias que antecederam o dia 11, nós estávamos muito apreensivos, por causa das batalhas que estavam a ser travadas ali em Kifangondo", arredores de Luanda, frisou.

O sinal de que a independência estava perto de ser conquistada, sublinhou Ruth Mendes, é o facto de ter sido, juntamente com Isabel Peliganga, também hoje deputada, as primeiras mulheres, em todo Portugal ultramarino, a serem presas nos centros urbanos e enviadas para o Campo de Concentração de São Nicolau.

"Até então nunca tinham mandado mulheres (do centro urbano) para o campo de concentração. Prendiam, sim, as mulheres, ficavam presas durante um tempo, depois eram soltas, mas no nosso caso mandaram-nos para o campo de concentração de São Nicolau", referiu.

Segundo Ruth Mendes, os mais velhos que as viram desembarcar, no meio de 155 homens, diziam: "A independência está próxima, porque se a PIDE já está a prender mulheres e mandar para campos de concentração, é porque a nossa independência está próxima".

"E de facto deu-se o 25 de Abril e depois daí foi um passo para a nossa independência", destacou.

Para falar da contribuição das mulheres na independência de Angola, Ruth Mendes começa pela luta clandestina, de onde também partiu a sua participação.

De acordo com a deputada, várias mulheres participaram, sob a capa de um grupo cultural, que estava ligado à clandestinidade: o "Santa Cecília", onde destaca os nomes de Albina Assis, Teresa Cohen, Irene Cohen e Eugénia Mangueira.

"Há uma pessoa (já falecida) que nesse processo da luta clandestina me chamou muito a atenção, é a senhora Arminda Faria, que foi esposa do Brás da Silva. Destaco esse nome, porque eu sou presa pela PIDE, quando tinha 17 anos, e nessa altura uma pessoa que estava sempre lá a tentar visitar-me - porque infelizmente ela não me conseguiu visitar - era a Arminda Faria", lembrou.

Apesar de não ter conseguido vê-la, Ruth Mendes disse que sempre sentiu a sua presença lá, "ainda que presa, enclausurada".

"Porque ela semanalmente marcava presença e eu recebia o recado dos indivíduos da PIDE: Olha esteve aí a sua amiga, também terrorista, Arminda Faria, então, eu sentia a presença dela", referiu.

A nível das pessoas que participaram na guerrilha, Ruth Mendes citou nomes do seu partido, como Luísa Inglês, a primeira pessoa que recebeu o seu grupo quando chegou ao MPLA e que as mobilizou para aderirem à OMA, órgão feminino do partido.

"Passou-nos algumas informações sobre o trabalho da OMA nas zonas libertadas do MPLA e nas zonas onde o MPLA se encontrava. É o primeiro rosto que nós vimos, quero destacar a camarada Luísa Inglês", salientou, acrescentando que um grupo grande de mulheres participava na luta de guerrilha, apoiando no transporte de material e sempre que houvesse alguns ataques.

As mulheres sempre estiveram presentes, nunca a leste de todo o processo, disse Ruth Mendes, recordando que as mulheres integraram companhias de unidades militares.

"É assim que eu faço parte, eu e mais colegas, a Zuela, a falecida Pipocas, a Dulce Costa, uma lista infindável, fizemos parte do esquadrão de artilharia, houve colegas nossos que fizeram parte de companhias de infantaria, e eu sei que isso é um processo que já vinha de trás", disse.

A carregarem material, enquadradas nas unidades e nas acções militares, ou sendo professoras e educadoras, nas zonas libertadas, da mesma forma que os homens, as mulheres sempre estiveram presentes na luta, garantiu a deputada.

Questionada como vê Angola, 45 anos depois da independência, Ruth Mendes disse defender sempre que "não há ganho maior do que a independência".

"O facto de estarmos independentes é um ganho muito grande, porque só quem não viveu sob um regime repressivo, sob um regime colonial, sob um regime ditatorial, é que pode dizer, como oiço aí: nem sei por que é que tivemos a independência, porque é que lutamos, não!", notou.

Contudo, a deputada confessa que a Angola independente que sonhou "ainda está em construção", apontando vários factores que impediram a materialização desse desejo.

"Ao longo desses anos, temos tido alguns problemas, o meu sonho de país independente ainda não está atingido, mas também temos que ter em conta o que é que aconteceu durante esses 45 anos, tivemos guerras entre nós, irmãos, primeiro foi aquele processo de independência, que quase que tivemos que arrancar do sistema português, depois a fuga dos quadros, depois tivemos também outros problemas pelo meio, a própria guerra entre irmãos, que durou quase 30 anos", enumerou.

Ruth Mendes não colocou de lado o problema da corrupção, um fenómeno que o Governo luta para minimizar nos últimos tempos.
"Porque eu, às vezes, digo que nós, aqui em Luanda, não tivemos guerra que justifique que não tivéssemos que ter água, que ter luz, que tivéssemos que ter os problemas que temos, então eu tenho que confessar que o meu sonho de país independente, onde todos têm tudo, onde há justiça social, ainda está a ser construído, ainda não atingimos o ponto máximo", concluiu.

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