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O Protocolo de Lusaka 23 anos depois

Benjamin Salomão

Jurista

O Protocolo de Lusaka foi um acordo que visava alcançar a paz em Angola, assinado a 20 de Novembro de 1994 pelo governo Angola e extintas forças militares da UNITA. Faz parte dos três principais acordos de paz celebrados entre as duas partes. Foi mais uma das várias tentativas de solução do então conflito político – militar entre o MPLA, que formava o governo, e a UNITA, que reivindica a instalação de um Estado “verdadeiramente” democrático em Angola.

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Antecedentes

Acordos de Bicesse: precedem o protocolo de Lusaka e introduzem mudanças radicais no sistema politico angolano. Assinado em Portugal, a 31 de Maio de 1991 pelo então presidente da República de Angola José Eduardo dos Santos e por Jonas Savimbi antigo líder da UNITA, sob mediação de Portugal e sob observação dos EUA e ex-URSS. Os acordos de Bicesse definiram, entre várias medidas, a criação de um exército unificado, calendarização de eleições multipartidárias e presidências, cessar-fogo, aquartelamento das tropas da UNITA e extensão da administração do Estado em todo território nacional (Comeford, 2005).

Das eleições livres e justas às acusações de fraude: tal como ficara acordado nos termos de Bicesse, a realização das eleições legislativas e presidências era um dos pontos mais altos da agenda de Bicesse. Após a publicação dos resultados eleitorais, em que o MPLA ganharia as eleições legislativas e presidenciais com maioria absoluta de 53,74 por cento dos votos, a frente da UNITA com 34,1 por cento dos votos, e o candidato José Eduardo dos Santos venceria a primeira ronda com 49,57 por centodos votos, a frente de Jonas Savimbi com 40,07 por cento dos votos, ficou marcada segunda volta para as presidenciais. Não chegou a realizar-se devido ao reacender da guerra, fruto da contestação dos resultados eleitorais feita inicialmente pela FNLA em 2 de Outubro de 1992, seguido por um grupo de partidos políticos, incluindo a UNITA, a 5 de Outubro (Fernando e Almeida, 2006).

O reacender da guerra: com um clima politico instável, massacres políticos em Luanda e outros pontos do país, desconfianças mútuas, desarmamento apressado e incompleto, falta de vontade política da comunidade internacional, incumprimento do plano de desmobilização de ambas as partes, os anseios sôfregos pelo poder de uma certa geração de políticos angolanos responsáveis pela degradação do pais e da morte de milhões de angolanos arrastados cegamente pela vontade insaciável pelo poder – apanágio da maioria das lideranças africanas – os angolanos “voltavam” à guerra,  e viam a aurora levar seus sonhos de uma sociedade finalmente em paz (Muekália, 2010).

A natureza do Protocolo de Lusaka

Com iniciativa da ONU, inicialmente na pessoa da representante especial Margareth Anstee, conversações de paz  no Namibe e em Abidjan fracassaram. Foi então nomeado um novo representante especial para Angola – Alioune Blondin Beye. Foram então iniciadas as negociações para o protocolo de Lusaka. Porém, segundo G.Comeford, as negociações tinham uma prioridade secundária, as partes estavam mais interessadas e convencidas numa vitória no campo de batalha.  E com esse clima chega-se à assinatura dos acordos em 20 de Novembro de 1994 (Comeford, 2005).

Lusaka pretendia salvaguardar o renascer dos ideais dos acordos do Alvor e salvaguardar os princípios de Bicesse. O foco principal era a efectivação do cessar-fogo e estabelecimento de reconciliação nacional. Pretendia o protocolo a conclusão do processo eleitoral, suspendido depois da publicação dos resultados eleitorais (Fernando e Almeida, 2006).

Uma das inovações significativas introduzidas no protocolo foi a partilha do poder entre as partes envolvidas no conflito, e consequentemente a criação do GURN (Governo de Unidade e Reconciliação Nacional), do qual se destacava o cargo de Vice-Presidente proposto a Savimbi, dentro do plano do GURN. Apesar das controvérsias de Lusaka, o mesmo prevaleceu até Novembro de 1998, período em que o país registara tempo “prolongado” de paz desde a independência (Muekália, 2010).

A rota do fracasso

A estratégia da ONU: se de um lado as partes envolvidas no conflito não demonstravam vontade política suficiente para honrar com os compromissos assinados, doutro lado a ONU revela uma estratégia de “fingimento” de que estava “tudo bem”. Quando na verdade haviam violações dos acordos de ambos os lados, falha nos embargos e a falta de transparência no processo foram motivos que contribuíram para o fracasso dos acordos de Lusaka. 

A ausência de Jonas Savimbi na cerimónia de assinatura: surpreendeu tudo e todos, e não pelas melhores razões. Esperava-se que tanto José E. dos Santos como Jonas Savimbi comparecessem na cerimonia de assinatura. Porém, o facto de Jonas Savimbi ter falhado a cerimónia revelou já algum cepticismo no sucesso dos acordos.

O IV Congresso do MPLA em 5 de Outubro de 1998: este foi o congresso da decisão. Considerava o governo ter fracassado todas as tentativas de solução pacifica do conflito, uma vez que Savimbi se escondia atrás da ONU. E a única via possível para alcançar a paz em Angola era através da guerra (Comeford,2005).

As lições de Lusaka

Vinte e três anos depois os angolanos ainda se perguntam, terá sido plano divino? Tanto sofrimento imputado pelos irmãos compatriotas, terá sido vontade dos homens? Os angolanos, ainda actualmente, tentam compreender as razões da demora da chegada da paz. E cada vez mais percebem que mesmo com a paz, continuam a existir motivos para a perpetuação dos seus sofrimentos. Entendemos hoje que famílias foram destruídas: todos nós perdemos um ou mais ente queridos, e a quem perdeu todos, outros simplesmente desapareceram com sua geração devido aos efeitos nefastos da guerra. Vinte e três anos depois, rejubilamos com a paz, mas “comemos” pouco “dela” em relação ao que perdemos na guerra. Uma guerra que em “muitos aspectos a luta pelo poder político, ou mantê-lo, tornou-se indistinguível da luta para controlar os benefícios financeiros vindos do petróleo e diamantes” (Comeford,2005).

Salaan aleikun.

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Benjamin Salomão

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