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Batida: “Gosto de pensar que me inspirei nos discos que circulam nas ruas de Luanda. Sem dono. Livres”

Pedro Coquenão tem duas metades, separadas por um oceano. A Angola que o viu nascer e o Portugal que o fez crescer. Na vida, é conhecido por uma Batida que se faz ouvir cada vez mais. As ideias vêm de uma garagem, onde cria sozinho, mas tomam vida no palco ao lado de outros artistas e performers, porque “tudo faz mais sentido quando partilhado”.

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Em entrevista ao VerAngola, Pedro rebobinou a fita da própria cassete. Fala de música, de ritmo, de dança. De imagens, memórias e projecções futuras. De muita coisa. Porque é isso mesmo que Batida é. Muita coisa.

Vamos viajar. O Huambo que o viu nascer, na década de 70. O que é que lhe recorda?

Apenas o que me foi contado pelos meus familiares, mesmo sem estarem conscientes de que o faziam. Os lamentos, os suspiros de saudade, as fotos, os filmes, a comida, a música, os desabafos sobre a falta de espaço e horizonte, do frio, da maior distância entre as pessoas em Portugal e de tudo o que era tão promissor em Angola antes da guerra começar. Os sonhos, os poemas, as ideias e até as ideologias. As histórias de quem chegava. Tudo me marcou. Foi bonito regressar depois da guerra acabar. 

Lembra-se de fazer as malas e atravessar o Atlântico? O que significa Lisboa no Pedro?

Nada… Mas ainda guardo a minha primeira mala comigo. Era bebé. A minha mãe vivia no Huambo e, ao contrário de outros familiares que ficaram por Luanda, ela e os meus avós vieram para Lisboa, se calhar por minha causa. Lisboa para mim é o lugar mais próximo de Luanda fora do país. São duas cidades muito ligadas. Gosto muito por isso mas por ter história de outros povos também. De Lisboa gosto muito da luz, do rio aberto ao mundo e de se andar muito a pé e conviver na rua. 

Dizem que na quarta classe já remisturava cassetes de música com ajuda da fita-cola. É verdade? 

Não me lembro da data ao certo mas se não foi na quarta foi próximo. Era um truque para conseguir misturar músicas e sons diferentes uns por cima dos outros. Não tinha mesa de mistura e foi a forma que arranjei.

O que é que ouviu enquanto crescia? 

Tanta coisa diferente! De Bonga a Clash. A música Africana chegou-me através da família, especialmente a minha tia. O que ouvia no meu quarto ia desde Break Dance a clássicos dos anos 60, 70 e 80 ou os meus primeiros vinis de House. Na sala ouvia muito jazz e fusão mas também hard rock e rock progressivo do meu padrasto que era músico. 

Que nomes é que guarda até hoje?

Todos. A sério. São muitos (risos). Se tiver de escolher um artista só, escolho o James Brown. Mas depois lembro-me de tantos outros. É injusto nomear…

Como é que se cruzou com a rádio? 

No quarto. Foi minha companhia de adolescente e foi onde descobri muita música. Era a minha Internet! De onde gravava as minhas mixtapes. Aos 16 comecei a gravar emissões no meu quarto e aos 18 consegui a minha primeira oportunidade depois de um ano a levar negas de todas as estações de Lisboa.

Quem eram o DJ Mpula e o Rato das Colunas? 

Que bom lembrarem-se disso. Eram dois personagens que me ajudavam a apresentar o programa. Quando não tenho companhia, invento. Podem regressar a qualquer momento.

Batida. O que significa?

Batida é muita coisa. Pode alterar-se conforme o momento. Gosto que seja uma palavra simples, relacionada com o elemento mais essencial na música que tenho feito. Gosto que se associe à vida. Na batida. Gosto de pensar que me inspirei nos discos que circulam nas ruas de Luanda. Sem dono. Livres. Sem aceitarem serem dependentes da rádio ou da TV. E gosto que não seja um nome pessoal mas a minha ideia. Não afasto o que faço de outras áreas onde isto tudo faz mais sentido.

Cada tema é uma história?

Tento que seja. Tento que seja mais do que um ritmo, uma dança. Gosto que tenha uma vida, uma pessoa ou mais. Que tenha imagens, memórias e projecções de futuro. E sim, que seja uma história que nos una.

Angola fala nas suas músicas?

Não sou nacionalista  mas certamente que Angola está no que faço. Não consigo dizer "Eu sou Angola" com o K, mas Angola existe em mim.

A componente social é o mais importante?

A componente humana é a mais importante. 

É um “one man show”, mas na realidade tem sempre companhia em palco. Porque?

Não são muitos os artistas que se exprimem sozinhos em palco. Isso é uma imagem projectada. Penso que tudo faz mais sentido quando partilhado. Desde pequeno que me habituei a partilhar espaço e a interagir com outros. Gosto do diálogo que tenho com cada um e com o público.

Centenas de festivais e várias distinções depois, a conquista da Europa parece ponto assente. O que é que se segue?

Viver. Continuar a exprimir-me e a partilhar o que faço com pessoas de quem gosto. Menos poético e mais prático: tenho um disco de remisturas na calha, a colaboração com os Konono #1 e um novo disco para acabar para o ano.

Sucesso diz-lhe alguma coisa?

Sim, se for sinónimo de conseguir fazer o que me proponho fazer, partilhando coisas boas com quem me rodeia. Sem passar por cima de ninguém.

Para quando um regresso a Angola?

Quando surgir o convite ou eu próprio me farei de convidado se demorar muito mais tempo.

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