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Ricardo Teixeira: “Em tudo o que fazemos temos sempre que acreditar que vamos cortar a meta em primeiro lugar”

Nasceu em Portugal mas é filho de pais angolanos. A paixão pela velocidade já vem de família, e começou nas corridas de karts com pouco mais de 10 anos. Em 2001 arrancou para os Fórmulas e desde aí nunca mais deixou de acelerar. Foi o primeiro piloto de nacionalidade angolana a participar na Fórmula 1, quando se tornou o piloto-teste na equipa Caterham F1, ex-Team Lotus. Aos 32 anos, Ricardo Teixeira admite estar muito orgulhoso por ter levado o nosso país ao patamar mais alto das competições motorizadas, e acredita que sem o apoio do público angolano, não teria chegado lá.

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Fale-me um pouco sobre si... Que idade tem, onde nasceu, onde vive actualmente...

Acabei de fazer 32 anos e nasci em Lisboa, porque a minha mãe foi para Portugal antes de eu nascer. Neste momento passo a maior parte do tempo em Inglaterra.

Como surgiu o gosto pela velocidade?

Já é uma paixão de família. Por parte da minha mãe, tinha uma tia-avó que corria com um Subaru, pois eram os representantes em Angola dessa marca, e por parte do meu pai, apesar de terem uma forte paixão por desporto motorizado, o forte eram as artes marciais. O meu avô dava aulas no judo Clube de Luanda, e o meu pai era atleta olímpico, e foi por diversas vezes campeão nacional, ganhando até vários torneios internacionais.

Foi o judo que comecei a praticar primeiro, aos três anos de idade, mas aos nove anos fui a um kartódromo com o meu pai, e experimentamos os karts de aluguer, e aí despertou um bichinho. O meu pai ofereceu-me um kart no meu aniversário e comecei a correr nesse mesmo ano. Mesmo com aquela idade, agarrei a oportunidade com grande disciplina e motivação, e mesmo sendo muito novo, já sabia que era o que queria fazer como carreira.

Começou a sua carreira de piloto em 2001, quando competiu na Fórmula BMW Junior Cup, em Portugal... Como foi o percurso, desde aí, até chegar à Fórmula 1?

A minha carreira de piloto já tinha começado nos karts, quando fiz o campeonato nacional em Portugal e corridas em Espanha e Itália. Em 2001 foi o próximo passo, passei para os Fórmulas, uma evolução normal para se chegar a F1. Até à Fórmula 1 foi um caminho muito difícil, com muito trabalho e dedicação. Tive um grande apoio da minha família que me ajudou mentalmente. Toda a minha vida foi dedicada para chegar a Fórmula 1, custasse o que custasse. Nos dias que não tinha treinos em pista ou corridas, dividia o meu tempo entre a fábrica, a ajudar a equipa, e no simulador, no ginásio, em treinos de duas vezes por dia que incluem boxe, judo, cardio e pesos, e na faculdade. Entrei na Universidade Central de Inglaterra, em Birmingham, onde completei o curso, com honra, de Engenharia Mecânica.

Posso dizer que não tive uma juventude considerada normal. Depois da Fórmula BMW ibérica, passei pela Fórmula 3 britânica, Fórmula 3 internacional, Mundial de Fórmula 2 e Mundial de GP2. Não foi nada fácil, é um mundo muito restrito e muito difícil de se alcançar.

Acreditou sempre que ia chegar à F1 ou teve dúvidas?

Sim, acreditei sempre, mesmo apesar de parecer um caminho impossível, nunca se pode deixar de acreditar. Além disso, o impossível só existe até haver alguém a provar que afinal é possível, por muito difícil que seja. Tive muita sorte de ter tido o apoio moral de muitas pessoas, para além da minha família que acreditaram em mim.

Uma dessas pessoas foi o Sir Frank Williams, que me ajudou muito e foi muito importante para a minha maturidade como piloto, quando eu estava na Williams F1 Team, como piloto de desenvolvimento, além de ajudar a gerir a minha carreira. A outra pessoa foi o muito conhecido Mike Gascoyne, que me levou para a Lotus F1 Team, que mais tarde mudou de nome para Caterham F1 Team, como piloto de reserva e oficial de testes. Além de ser um grande amigo é uma das pessoas que acredita no meu talento.

Como é o trabalho de um piloto de Fórmula 1?

Muito intenso. É tudo feito ao pormenor. Fisicamente temos que estar ao nível de um atleta olímpico. Temos que fazer muito treino mental, trabalho de visualização e auto-hipnose, exercícios de raciocínio, aumento de velocidade de reacções, visão periférica, etc. Muito treino de pescoço e cardio por causa das forcas G's. Treino de força com pesos e uma alimentação muito cuidada.

Os fins-de-semana de corrida são muito intensos. Os carros têm muita cavalagem, sem controlo de tracção e sem direcção assistida, por isso além de cardio, é preciso ter força para controlar um carro que atinge 340 quilómetros por hora, em que tem que se guiar no fio da navalha, em termos de limite, sem qualquer ajuda electrónica. Além disso, enquanto estamos a guiar temos que comunicar no rádio, com a equipa, para dar feedback do comportamento do carro. Não é fácil brincar com um volante, com mais de 30 botões, e memorizar o que cada botão faz e quando pressionar, ou que modo é que temos que meter. (risos)

Há muita competição nesta modalidade?

Extrema. É uma autêntica selva por assim dizer. Cada equipa de Fórmula 1 só tem dois pilotos oficiais e dois ou três de testes, no máximo, e às vezes demora anos para haver vagas, porque os pilotos quando alcançam a Fórmula 1 fazem carreiras de anos, e quando há vagas é tipo uma ou duas. A seguir temos milhares de pilotos a tentar lá chegar, e a fazer de tudo para dar nas vistas nos campeonatos de promoção. Todo o ambiente, mesmo nos dias de descanso, é intenso porque apesar de nos darmos todos bem, também queremos ser os primeiros a conseguir a vaga.

Qual foi a prova mais difícil? E a mais fácil? E a melhor corrida de sempre?

Bem, nunca tive uma prova fácil, todos os campeonatos são muito competitivos. Além das corridas que ganhei e que subia ao pódio, que são todas especiais, uma das minhas melhores corridas foi no Mundial de Fórmula 2. Tive que arrancar das boxes, porque devido a uma falha técnica não consegui dar uma volta rápida, nos cronometrados, e quando se arranca das boxes, além de se sair em último lugar, na 26.ª posição, e com pneus frios, só se pode arrancar depois do grupo todo chegar à primeira curva, por isso é uma desvantagem muito grande. Mas mesmo assim, terminei a corrida em quinto lugar, colado ao grupo que lutava pelo segundo lugar, e com a volta mais rápida da corrida.

Qual o maior susto que apanhou, numa corrida?

Isso é fácil, foi na corrida de Marraquexe, do Mundial de Fórmula 2. O meu carro levantou voo a mais de 300 quilómetros por hora, e passei por cima de sete carros. Posso dizer que nesse dia tinha uma estrelinha muito forte a proteger-me. O acidente foi tão impressionante que foi um dos acidentes mais vistos no YouTube:

Actualmente, corre por qual equipa? Como é o ambiente?

Desde que a Caterham F1 saiu da Formula 1, devido a conflitos internos, estou a ver e a preparar uma boa alternativa para a próxima temporada. Entretanto estou a fazer coisas para me manter activo. Estou a participar em algumas corridas do campeonato belga de GTs, com um BMW. A última corrida foram as duas horas de Spa-Francorchamps, em que terminei em quarto lugar. Vim sempre a lutar pela vitória, mas uma má táctica na última paragem de box, perdemos tempo e afastou-nos do pódio. Estou também a dar instrução e a fazer eventos em circuitos internacionais, com algumas marcas de prestígio, tal como a McLaren e a Bentley. Pode dizer-se que tenho tido muito pouco tempo livre.

Qual a equipa pela qual mais gostou de correr e porquê?

Foram duas. Williams F1 Team e a Caterham F1, ex-Team Lotus. Na Caterham foram muitos anos a trabalhar com eles. Estava a guiar um Fórmula 1 com muita frequência, em treinos de desenvolvimento, teste aerodinâmicos, Road Shows e nos testes oficiais como é lógico. Mas passava todos os dias com eles. Se não estava a viajar para os fins-de-semana de corrida, ou para os treinos, estava na fábrica. Pode dizer-se que era uma família gigante de 200 pessoas.

Na Williams F1, porque mais uma vez me sentia em família, um bocadinho maior que na Caterham, pois eram mais de 400 pessoas a trabalhar na fábrica. O Sir Frank Williams pôs-me a mim e ao Valteri Bottas, actual piloto oficial da Williams, a trabalhar em cada departamento diferente dentro da fábrica pela manhã. Durante a tarde fazíamos ginásio e simulador. Quase vivíamos dentro da fábrica. Foram dois anos incríveis a trabalhar com pessoas extraordinárias.

Como funciona a entrada dos pilotos nas equipas?

É uma mistura de muita coisa. Primeiro o piloto tem que ter talento e dar nas vistas, ter velocidade suficiente para ter a autorização da FIA e receber a superlicença, demonstrar grande maturidade para representar a equipa e a própria imagem da Fórmula 1. Profissionalismo e boa linguagem técnica para ajudar os engenheiros a desenvolver o carro. Depois, é estar na hora certa e na altura certa, para se conhecer as pessoas certas. Por fim, ter um apoio forte do próprio país. A Fórmula 1 é um mundo de business com business, em que temos governos, e as maiores empresas a nível mundial, a quererem estar envolvidos porque interessa. Por isso é que é o desporto mais elitista que existe.

Como está o desporto motorizado em Angola?

Ainda a dar os primeiros passos, apesar de termos uma cultura muito forte de desporto motorizado. Neste momento está um pouco amador, mas o bom é que temos um país com muita gente a querer desenvolver o desporto motorizado, e a querer reconquistar essa tradição. Uma curiosidade, é que o Emerson Fitipaldi esteve na abertura do Autódromo de Luanda, como convidado, nos anos que era piloto de Fórmula 1.

O que sentiu por ser o primeiro angolano a chegar aos palcos da F1?

É uma sensação incrível, porque além de chegar à Fórmula 1 fiz história em ter sido o primeiro. Foi uma pressão grande, porque por ser o primeiro tinha muitos olhos postos em mim. Agora espero que tenha conseguido mostrar que é possível, e motivado muitos jovens a tentar seguir as minhas pegadas. Era muito importante haver uma continuidade de pilotos a seguir-me tal como temos nos outros países, Inglaterra, Espanha, Brasil, Alemanha, etc. Tornaria tudo ainda mais gratificante.

Sente o apoio dos angolanos?

Sim, sinto e muito. O apoio é uma das coisas que me deu muita forca, e não o teria conseguido sozinho. Sinto um grande orgulho de ter levado Angola tão longe. Ter chegado tão longe não foi um sucesso só meu, mas sim de todos os angolanos.

Qual o balanço da sua carreira até aqui?

Muito positivo, apesar de não ter conseguido ficar na F1 como piloto de corrida, por razões externas e que fugiam das minhas responsabilidades, tenho que me sentir orgulhoso. Consegui o que muitos sonham e fazendo uma coisa inédita, ao levar a minha bandeira pela primeira vez ao patamar mais alto que existe, nas competições motorizadas. Tem sido uma viagem de vida muito abençoada.

Ambiciona cortar a meta em primeiro lugar?

Sempre, seja em que competição entrar. Em tudo o que fazemos, temos sempre que acreditar que vamos cortar a meta em primeiro lugar.

Qual o futuro próximo do Ricardo?

Neste momento estou a fazer a transição para os GT's. Tenho feito corridas soltas por convites de várias equipas, e estou ligado a uma fábrica para quem tenho feito muitos testes. Estou a analisar o que será melhor para o meu futuro, para fazer na próxima temporada. Vamos ver o que Deus tem reservado para mim e continuar esta viagem com extrema fé.

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