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Opinião Os 5 em Angola

Vou ali e já venho...

Filipa Moita

Autora da página de Facebook Os 5 em Angola, que relata as experiências de uma família portuguesa de cinco elementos que imigrou para Angola.

É a minha última crónica…antes de ir para Portugal, para umas merecidas férias em família! E dou por mim a reconhecer que este sentimento que estou a ter, é contraditório com o que eu esperava sentir. Observo o lento esvaziar de um lar, que aos poucos, vai ficando em silêncio. Um silêncio barulhento com a ausência dos meus. Faz parte da vida. Fecha-se um ciclo. Abre-se outro…

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Nesta fase, o trabalho ocupa-me grande parte do meu dia e por isso, neste período, nem tempo tenho para me lembrar dos meus filhos. Também não o faço constantemente porque sei que estão bem. Mas o vazio existe e preenche algumas lacunas do meu dia. Afinal de contas, foram muitos meses seguidos com as minhas crianças. Aproximámo-nos muito mais enquanto família e estreitámos ainda mais os laços que nos une. Angola permite-nos essa aproximação e por esse motivo, a distância deles, acaba por afectar um pouco o meu estado de espírito. Sim, sou “mãe galinha” com muito orgulho.

Mas neste período de férias, não foram apenas os meus a seguir viagem. Não foram os únicos a voar para Portugal, para junto dos seus amigos e familiares. Muitos estrangeiros e “tugas” já o fizeram e fico feliz por ver amigos e conhecidos daqui, em fotos divertidas e descontraídas no Facebook, com publicações dos seus reencontros e da satisfação que revelam, ao matar saudades de um prato de caracóis ou de uma bela bifana no pão com caldo verde! E a alegria com que o fazem é recompensadora. Percebem agora quando digo que, quando não temos todos os dias ou sempre à nossa disposição as nossas coisas, quando as alcançamos, sabem maravilhosamente e divinalmente bem?

E eu, tal como muitos, com filhos ou sem filhos, também já iniciei a contagem decrescente para a viagem de regresso. Começo a riscar os dias no calendário, a planear o meu tempo em Portugal, a contactar os amigos, a organizar almoços e jantares com as minhas pessoas, tentando ao máximo, rentabilizar o meu tempo. Talvez assim, consiga fazer o máximo de coisas possível, em tão pouco tempo. Porque duas semanas são pouco tempo para a concretização de todos os nossos sonhos ou desejos. Ansiamos tanto tempo por estes dias e rezamos para que tudo corra bem e de forma inesquecível. Afinal, serão as lembranças destes momentos, que nos irão acalentar nos nossos piores dias. A lembrança de um abraço, um beijo ou umas doces palavras das nossas pessoas, tranquilizam-nos quando mais precisamos, certo? E fazem milagres, sem dúvida.

Mas a vida é assim, cheia de condicionantes e temos de a aproveitar da melhor forma, sem arrependimentos. Tenho a real sensação de que estas férias vão ser aproveitadas mesmo ao máximo, ao segundo, vividas a 200 por cento e com o máximo gozo possível em cada dia. Fica aqui a promessa!

E enquanto planeio as minhas férias, os meus últimos dias aqui vão passando. Observo dia após dia, uma Luanda cada vez mais vazia, e mais descaracterizada de pessoas. Constato que há menos carros e menos trânsito. Há menos agitação e os restaurantes vão ficando mais vazios. Ouço planos de viagens e vejo que sem arquitectar nada, vou com muitos amigos daqui no meu voo, já comprado há tantos meses. Por vezes, isto parece uma aldeia de tão pequena que é, e que tantos acasos como este origina.

Ao sair de casa, já no elevador, deparo-me com os nossos vizinhos, os quais me interrogam pelas minhas crianças. E, antes que lhes responda, respondem eles, com uma pergunta:

-“Então as crianças, já estão em Portugal, não é”?

-“Pois, já lá estão”!

E nós, que ficamos, continuamos a contar os dias no calendário. As nossas pessoas em Portugal, todos os dias ligam a perguntar pelo dia da nossa chegada. Estamos todos ansiosos e pensamos que os dias que lá estaremos, sejam duas, três semanas ou um mês, nunca serão suficientes, para matar as saudades todas que temos de tudo e de todos!

Temos de gozar bem as nossas férias. Temos de “encher” muito bem o nosso balão de oxigénio de coisas boas, pensamentos positivos, imagens inesquecíveis, sensações fortes e experiências únicas. Aparte a mala cheia de coisas necessárias para mais uns meses, o nosso balão de oxigénio tem de vir a abarrotar destas coisas todas e em excesso. Só assim conseguiremos aguentar mais uns meses de Angola, mais uns meses destas desigualdades sociais que todos os dias nos são apresentadas e perante as quais, não temos qualquer oportunidade de melhorar. Ajudamos no que conseguimos e naquilo que nos deixam. O resto, alguém lá em cima toma conta. Tem de ser assim.

Mas neste momento, o sentimento que se apodera de mim, além da ansiedade de ver as minhas pessoas lá longe, é um misto de saudade e tristeza. Uma saudade das minhas pessoas daqui, da nossa rotina de trabalho e do cafezinho às 09h20, saudade dos nossos sítios já muito especiais e carregados de memórias e tempos bem passados e das nossas experiências gastronómicas, sempre divertidas e interessantes. Dizemos a quem fica que estamos contentes por ir, que almejamos pela viagem, mas também sentimos nostalgia e tristeza, por deixarmos cá os nossos, “sozinhos” sem nós.

Sinto que deixo cá, uma espécie de família, uma família a quem já me afeiçoei e por quem já sinto a falta, mesmo antes de ir. Incrível, não é verdade? Será que sentem isto como eu?

Será que isto acontece, a quem como nós “está fora” do seu país? Como podemos nós, em tão pouco tempo, afeiçoarmo-nos tanto, a pessoas que conhecemos há tão pouco tempo? Tenho família lá e cá. Tenho laços de pertença lá e cá também. E tudo isto é reconfortante.

No outro dia, li uma crónica onde se dizia que os emigrantes sentiam isto, uma indecisão de pertença, pois já não sabiam a que país podiam chamar de casa.

É um pouco o que sinto, pois de certa forma, ainda não estamos plenamente enquadrados no nosso “novo país”, mas constatamos que, quando vamos à nossa pátria, também não nos sentimos 100 por cento bem, pois já não temos residência, trabalho ou hábitos regulares nesse lugar. Estamos numa espécie de limbo de pertença sem verdadeiramente e em concreto, pertencermos a um lugar em especial. Sentimo-nos estrangeiros no nosso próprio país.

Parecemos e vemo-nos como turistas de visita a pessoas, sítios, e à procura dos nossos pratos favoritos. Fazemos compras e pedimos Tax Free. Dali partimos para umas merecidas férias e tentamos desfrutar ao máximo de todos os momentos.

Mas não nos sentimos em casa, por mais abraços que tenhamos ou por mais calorosa que seja a recepção. É um misto estranho de sentimentos. Ainda me estou a adaptar a eles, confesso.

Isto custa, mas já não tanto. É incrível como o ser humano é forte e adaptável às mais diversas situações. Conseguimos tirar partido das situações mais difíceis e quando as boas surgem, aproveitamo-las e vivemo-las intensamente. E isto acontece de forma mais intensa, estando fora do nosso habita natural e conhecido.  

E aqui brindo a todos os expatriados e emigrantes por esse mundo fora. Brindo a eles e à sua coragem e capacidade de lidar com tantos sentimentos em simultâneo. Na dualidade de emoções que todos os dias sentimos, gerir a saudade, o optimismo, o pessimismo e os dias menos bons com sapiência e aproveitamento dos dias melhores, requer muita coragem. Tudo isto, estando longe de tudo e de todos, longe do nosso porto de abrigo que é a nossa família e amigos de sempre.

E é isto que nos dota de uma capacidade extra e de um desejo de vencer contra todas as adversidades e dificuldades que diariamente a vida nos coloca, seja aqui em Angola, ou noutro País qualquer. Temos de nos adaptar ao meio onde estamos, porque tem de ser, não há outra forma. É a Lei da Evolução de Darwin aplicável aos Humanos. Adaptar e sobreviver ou então desaparecer e constatar que falhámos! E a palavra falhar, não pode entrar no nosso vocabulário. Há quem tenha muito menos que nós e viva com um sorriso nos lábios. E consiga vingar nesta vida. Eu vejo isso aqui todos os dias e recuso-me a aceitar as dificuldades e a desistir perante elas. Se elas surgirem, resolvem-se e bola para a frente.

Alguém me disse uma vez que durante um longo tempo, não quis ir à sua terra Natal pois custava-lhe imenso ver o que tanto gostava e estar com quem muito amava, por pouco tempo. Para essa pessoa, o regresso era demasiado doloroso. Acredito.

Mas também acredito que quando a vida nos dá estas oportunidades, temos de as aproveitar e aproveitar ao máximo, como se cada dia, fosse o ultimo dia das nossas vidas.

Pareço dramática? Se viverem em Angola, percebem exactamente o que quero dizer.

Já viram hoje o céu azul? Eu não o vejo há muitos meses. Estão fartos de conduzir e de estar no trânsito? Esta semana, pela primeira vez, consegui arranjar coragem, pegar no carro e conduzir até casa. Para mim, foi uma vitória enorme, pois quem vive por estas bandas, sabe do que falo. Aliás, já me disseram inclusive que quem conduz em Angola, conduz em qualquer parte do mundo. E eu acredito.

Mas por agora, vou voltar ao meu calendário e riscar mais um dia.

Vou parar e recarregar baterias. Vou sair de Angola por uns dias, visitar quem gosto, ver os nossos familiares, amigos e inúmeros sítios que tantas saudades nos fazem sentir pois é tempo de viajar, de brindar à vida e às coisas mais importantes.

Por isso, gozem as vossas férias e regressem de alma e coração cheio. Nós vamos fazer o mesmo.

Um ano passou desde que chegámos a Angola. Fechou-se um ciclo, outro ciclo abrir-se-á.

Aos que me lêem, desejo umas óptimas férias com tudo de bom e com muita saúde a acompanhar! Aos que ficam por aqui, aguentem só, Ya?

Fiquem bem.

P.S. Caro JB, aproveito aqui o espaço, para rectificar e pedir desculpas por ter mencionado que na nossa empresa, todo o pessoal saía às 17h30. Claro que este horário é praticado pela empresa, nunca, mas nunca, pelas chefias!

Toda a gente sabe que “quem manda”, tem de gerir, orientar e dedicar mais tempo ao trabalho, sob pena de as coisas não correrem como desejamos.

E por isso, “quem manda” nem hora de saída deve ter, claro.

Com base nesta rectificação, estou perdoada?

Boas Férias

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Filipa Moita

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