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Tchizé dos Santos suspensa e com processo disciplinar acusa João Lourenço

O Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) suspendeu a deputada ‘Tchizé’ dos Santos, filha do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos, daquele órgão, no âmbito de um processo disciplinar instaurado.

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"Aquele órgão deliberativo máximo do MPLA no intervalo dos congressos aprovou a instauração de um processo disciplinar e a aplicação da medida de suspensão de membro do Comité Central à camarada Welwitschea José dos Santos, por conduta que atenta contra as regras de disciplina do partido", lê-se no comunicado sobre a quinta sessão extraordinária do Comité Central do MPLA.

A reunião decorreu em Luanda, sob a presidência de João Lourenço, líder do MPLA e Presidente da República.

A deputada já reagiu e defendeu que o presidente do partido também deve ser alvo de um processo disciplinar por violar os estatutos partidários.Em declarações à agência Lusa, ‘Tchizé’ dos Santos indicou que João Lourenço, também Presidente angolano, foi o primeiro a violar os estatutos ao difamá-la durante uma visita de Estado a Portugal, em Novembro de 2018.

"Este mesmo presidente do mesmo partido vai para o Parlamento português andar a achincalhar e chamar nomes aos seus colegas camaradas do partido, inclusive o seu antecessor [José Eduardo dos Santos ‘Zedu’, pai de ‘Tchizé'] que praticamente o pôs no lugar em que está, o promoveu a sua candidatura e fez campanha", afirmou.

"Lavar a roupa suja de assuntos internos do país e do partido na Assembleia da República portuguesa, em conferências de imprensa que incluem órgãos de comunicação social portugueses, franceses, europeus, Euronews. Dá entrevistas em que me cita como filha do antigo Presidente dizendo que estou a braços com a justiça. Em que condição? De alguém que está dentro da PGR a ver os processos? Isso não viola o Estado de direito democrático", acrescentou.

Nesse sentido, ‘Tchizé’ dos Santos refere que utilizou o direito constitucional de defesa da honra e do bom nome nas declarações que fez posteriormente numa entrevista à Lusa, em Lisboa.

Em Maio passado, em declarações à Lusa, a deputada do MPLA disse que o actual chefe de Estado está a fazer um "golpe de Estado às instituições" em Angola e pediu a destituição de João Lourenço. 

A deputada assumiu então que estava "involuntariamente" fora do país devido à doença da filha e que há vários meses estava a ser "intimidada" por dirigentes do partido no poder desde 1975, razão pela qual recusava regressar a Angola por falta de garantias de segurança.

Face à realidade em Angola, prosseguiu então, a deputada adiantou que estava a procurar advogados em Luanda para avançar para o Tribunal Constitucional angolano com uma participação sobre o seu caso, seguindo ainda com "um pedido de ‘impeachment' [destituição]" de João Lourenço no parlamento, procurando para tal o apoio de deputados para uma proposta de Comissão de Parlamentar de Inquérito para apurar a conduta do actual chefe de Estado.

Nas mais recentes declarações à Lusa, ‘Tchizé’ dos Santos questionou o processo disciplinar imposto pelo Comité Central, com a consequente suspensão de funções no órgão, e questionou se o facto de um cidadão exercer o direito constitucional para defender a honra e o bom nome se sobrepõe aos estatutos de um qualquer partido.

"Quando o cidadão exerce o seu direito constitucional que se sobrepõe aos estatutos de qualquer partido político de defesa da honra e do bom nome e da reposição da verdade no mesmo fórum em que foi atacado depois é chamado e tem um processo disciplinar por indisciplina partidária? Quem é que cometeu indisciplina partidária? Então, foi o presidente do partido o primeiro a violar os estatutos e a cometer indisciplina partidária ao ir lavar roupa suja do MPLA e do país na Assembleia da República [portuguesa], órgão soberano de outro país. Então, os dois deviam ter um processo disciplinar. O presidente do partido e eu", afirmou.

‘Tchizé’ dos Santos recordou que já existiram, no tempo do regime de José Eduardo dos Santos, vários casos de críticas públicas que nunca foram sancionados, como os casos de Ambrósio Lukoki, que pediu a demissão de ‘Zedu’, de Irene Neto, que apelidou o então Presidente de "Bokassa" (Jean-Bedel Bokassa, o segundo chefe de Estado da República Centro-Africana conhecido pelo regime de "mão de ferro" com que governava o país) ou o do primeiro primeiro-ministro angolano Marcolino Moco, que pôs em causa a liderança do pai, ao exigir uma alteração constitucional para permitir ao chefe do Governo liderar o país.

"Então quem é o ditador, afinal? Era José Eduardo dos Santos? Ou é o camarada João Lourenço? Era outro tempo, o do partido único, havia pena de morte, eram outros tempos. Os dois presidentes governaram em democracia escrita, pelo menos. Qual dos dois o mais tolerante? Qual dos dois o mais ditador? Eis a questão. Vamos reflectir", afirmou.

"Eu ligo à Constituição da República e só lá porque Sua Excelência, senhor João Lourenço, é o Presidente da República isso não lhe dá o direito de fazer tudo o que quer, insultar quem quer, ir para a televisão de países estrangeiros levantar as suspeitas sobre quem quer, ao ponto de as pessoas terem os nomes manchados e as pessoas terem de estar caladas", afirmou.

Para ‘Tchizé’ dos Santos, o Presidente da República "não pode tudo", pois, dessa forma, os direitos fundamentais dos cidadãos ficam suspensos quando a pessoa que os viola é o chefe de Estado.

“Qualquer cidadão que se sente ofendido, ultrajado, sobretudo num espaço público, tem o direito de, nesse mesmo espaço público, ripostar e defender-se. Foi o que eu fiz. Isso está acima de qualquer lei e está acima de quaisquer estatutos de um partido político. Os direitos fundamentais dos cidadãos são invioláveis, estão acima de tudo, até do Presidente da República", prosseguiu.

Nesse sentido, ‘Tchizé dos Santos’ disse estar a ser sancionada pelo MPLA por estar a defender os seus direitos constitucionais, no caso o direito à honra e ao bom nome, depois de João Lourenço, em Portugal, afirma, tê-la citado, "insinuando" que a deputada tem "problemas com a justiça" e que cometeu crimes.

"[João Lourenço] fez um discurso no Comité Central a dizer que há deputados que têm condutas indecorosas nas redes sociais e que devem ser afastados do Parlamento (…). Estava a falar de mim ali. Não há, não pode haver outro deputado que pudesse estar a falar. E eu, por defender o meu direito constitucional à honra e ao bom nome e vir a público, também no mesmo fórum em que Sua Excelência me fez as acusações, agora sou alvo de um processo disciplinar por estar a defender os meus direitos constitucionais? Então devem também abrir um processo contra o presidente do partido, que anda aí a violar a Constituição e os direitos humanos de outros dirigentes do MPLA e a fazer perseguições às pessoas", afirmou.

Ainda sobre a suspensão, ‘Tchizé’ dos Santos considerou que um eventual regresso seu a Angola, o que garante não acontecerá, para já, está a "provocar o pânico".

"Agora estão em pânico e com pavor que eu vá para o Congresso (extraordinário do MPLA, a 15 deste mês) dizer estas coisas. Também, claro, é escusado ir, porque agora, com esta suspensão, perco o direito a ir ao Congresso, que é isso que as pessoas queriam. Têm medo até da sombra. Um líder que sabe que tem aceitação e que tem o apoio, de facto, da população, massivamente, não tem medo de uma simples deputada. Têm medo até da sombra, porque sabem que não estão a governar bem. Sabem que a população está frustrada, sabem que os militantes de base não estão satisfeitos. As pessoas vão lá bater palmas para fingir ou por medo, porque quem está a ver os outros a serem presos, a serem suspensos, ficam com medo. Mas não estão satisfeitos", concluiu.

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