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No país em que a água é mais cara que gasolina, angolanos temem fim dos subsídios

Angola tem o quarto combustível mais barato do mundo, mas os angolanos temem que este cenário mude, com o anunciado fim dos subsídios, por pressão de instituições financeiras internacionais.

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“O Governo já vem a subsidiar o combustível há muitos anos, o que é necessário é que o Governo crie condições mínimas para que o povo não fique alarmado”, afirma Manuel Nazaré, em declarações à Lusa, no posto de abastecimento da Sonangol, na avenida Comandante Gika, em Luanda.

O reformado abasteceu a viatura acompanhado da mulher, Manuel Nazaré, e reconheceu que gasta mais na compra de água do que para atestar o carro.

Angola é o quarto país do mundo onde é mais barato encher um depósito de combustível. Enquanto na Europa - e em Portugal, em particular – os automobilistas optam por veículos utilitários e têm o consumo de combustível em conta na altura da compra, em Angola, país dotado de um parque automóvel onde abundam robustos jipes e ‘pickups’, essa não parece ser uma preocupação, já que sai quase sempre mais barato dar de “beber” ao carro do que matar a sede.

Enquanto o preço médio de 1,5 litros de água engarrafada ronda os 180 kwanzas, um litro de gasolina custa 160 kwanzas, ou seja, cinco vezes menos do que em Portugal, segundo o site Global Petrol Prices, com dados atualizados em Janeiro de 2023.

"O Governo avisou várias vezes que o FMI (Fundo Monetário Internacional) quer fazer este ajuste”, disse, acrescentando que deveriam criar-se condições aos trabalhadores “para compensar” o aumento do combustível.

No mesmo posto de abastecimento, Marcelino André pede ponderação, salientando que muitos angolanos vivem longe do local de trabalho. E deu o seu exemplo, gasta semanalmente 16.000 kwanzas só em combustível.

“É preocupante (remover os subsídios aos combustíveis), visto que os salários são baixos e acredito que não combina muito bem também”, frisou.

Já Moisés Augusto, que trabalha por conta própria, teme as “consequências” do fim das subvenções: “Trará muitas consequências, primeiro porque o salário base aqui não é grande coisa e depois acredito que as coisas aqui em Angola só têm subido e isso é muito desvantajoso para nós, cidadãos que consumimos, não é bom”.

Sentado no carro, Moisés Augusto dá uma solução simples: “Os salários deveriam subir mais e só assim que depois poderia paulatinamente subir as coisas, como combustíveis, e a cesta básica deveria baixar”.

Só a Venezuela, Líbia e Irão vendem gasolina mais barata do que Angola, enquanto no gasóleo, cujo litro custa 135 kwanzas, surgem ainda à frente na tabela a Arábia Saudita e a Argélia, atirando Angola para o sexto lugar da lista.

Os baixos preços dos combustíveis angolanos são também um atractivo para os contrabandistas que circulam entre a fronteira de Angola e da vizinha República Democrática do Congo, estimando-se que as perdas anuais atinjam os dois mil milhões de dólares, de acordo com dados revelados pela Polícia Nacional em Novembro do ano passado.

Angola partilha com a Nigéria o estatuto de maior produtor de petróleo em África, mas importa grande parte combustível que consome, tendo apenas uma refinaria em funcionamento (a de Luanda) e outras três em fase de projecto ou construção (Soyo, Lobito e Cabinda).

Só no primeiro trimestre de 2022, o Governo subsidiou 339,7 mil milhões de kwanzas em combustíveis distribuídos em todo o país.

A ministra das Finanças admitiu, em Dezembro passado, que o país está a negociar com parceiros internacionais as compensações adequadas perante a remoção dos subsídios estatais ao preço dos combustíveis, uma decisão política que ainda não foi tomada.

Segundo Vera Daves, Angola está a analisar com o FMI e o Banco Mundial (BM) as “possíveis” medidas de mitigação do impacto social, porque as “preocupações mantêm-se” relativamente ao potencial impacto social da remoção dos subsídios aos combustíveis, que têm um preço muito baixo e não reflecte a oscilação do mercado internacional.

Funcionário de uma empresa privada, Cristóvão Domingues abastece a sua viatura duas a três vezes por semana no posto da Sonangap, no bairro de Alvalade, e pede “prudência e auscultação à população”. 

É “dramática esta questão, retirar os subsídios ao combustível. Seria um pouco desastroso para aqueles que são proprietários das viaturas, como eu, não seria bom que o Governo tomasse essa iniciativa”, apontou Cristóvão Domingues que admite a ironia de Angola ter água engarrafada mais cara que a gasolina. 

“Penso que a água deveria fornecida sem custos aos cidadãos, temos aqui muitos rios e não precisava que o litro de água estivesse em um preço mais elevado”, rematou Cristóvão.

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