“A senhora não tem família? Eu também tenho”, terá dito Valter Filipe durante uma conversa telefónica com a funcionária, agora registada dos autos da acusação no processo que envolve o ex-governador do BNA naquele que é já conhecido como ‘Caso 500 Milhões’. Ana Maria Marcolino, que trabalhava no banco central há 34 anos, referiu ter-se sentido pressionada em termos inapropriados. “Percebi que estava a ser pressionada. Fiquei triste”, reforçou.
A sub-directora da Direcção de Operações Bancárias foi confrontada pelo responsável máximo do BNA que lhe ligou a solicitar o comprovativo da transferência de 500 milhões de dólares de uma conta do banco central, no Standard Chattered, para a da empresa Perfectbit, no banco HSBC de Londres. No entanto, a funcionária de conta que a operação não estava em sistema. “Não estava, não havia registo. Filtrei várias vezes. Liguei à Área de Controlo para saber de alguma coisa e esta área fez uma filtragem no sistema ‘swift’ (sistema de comunicação para a liquidação das operações) directo e constatou que a operação não passou por um processo normal”, referiu, citada pelo Jornal de Angola. Ana Maria Marcolino acrescentou ainda que deduziu que “o beneficiário não era fidedigno, por isso é que a operação correu mal”.
A funcionária explicou que a entidade - Mais Finance, representada por Jorge Gaudens Pontes - não tinha registo criado no BNA. No entanto, e por se tratar de uma “operação de extrema urgência”, o pagamento seria feito “por via de uma operação directa”, referiu.
Ouvida na sessão de Quinta-feira do julgamento do ‘Caso 500 Milhões’, Ana Maria Marcolino afirmou ainda que se o HSBC, que detetou a fraude e alertou as autoridades nacionais - não não tivesse recorrido ao ‘compliance’ internacional a operação teria decorrido com normalidade. A declarante afirmou pensar que a transferência seria uma “operação de rentabilização de recursos” e, tendo em conta a urgência, avançou com o processo, pensando que fosse uma rentabilização.
O julgamento prossegue na frase de produção de provas, sendo ouvidos nos próximos dias mais nove declarantes. Segue-se o testemunho de António Domingos Tiago Dias, à data dos factos vice-governador do BNA.
O ‘Caso 500 Milhões’ tem como base uma transferência ilegal deste mesmo montante do BNA para a conta de uma empresa em Londres (Perfectbit). Esta transferência seria uma garantia, paga a uma empresa criada pelos réus, a fim de iniciar uma operação de financiamento para Angola no valor de 30 mil milhões de dólares. O plano assentava na constituição de um fundo de investimento estratégico para financiar projectos estruturantes no país.