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De combatente a eleitor, vida de João Donda é o retrato de muitos angolanos

De casaco amarelo, ténis e passo rápido, João Miguel Donda não aparenta os 82 anos que constam do bilhete de identidade. Vive em Mbanza Congo desde 1956 e sobreviveu às várias guerras desde então, onde combateu primeiro contra os portugueses e depois contra a UNITA.

J. Adalberto:

João Miguel Donda pertence aos escassos 3 por cento da população nacional acima dos 65 anos e conserva, ainda hoje, uma energia que lhe fez ganhar a alcunha pela qual todos o conhecem em Mbanza Congo, cidade histórica na província do Zaire. "Chamam-me o 'Menino 40 anos' e ganhei esta alcunha na guerra", conta o veterano, abrindo um largo sorriso.

Logo em 1956, aos 21, passou à clandestinidade, para combater os portugueses na guerra da independência que viria a ganhar escala em 1961. "Naquele tempo nem sequer havia as FAPLA [Forças Armadas Populares da Libertação de Angola, o braço armado do MPLA, há 42 anos no poder em Angola]. Os portugueses na altura chamavam-nos ou 'bandidos' ou 'terroristas'", relata.

Na guerra civil que se seguiu à independência, em 1975, João Miguel lutou pelo MPLA, integrado numa unidade de apoio ao contingente cubano.

A primeira intervenção de Cuba na guerra em Angola aconteceu já depois da independência do país, em 1975, quando João Miguel tinha precisamente 40 anos, mas ao contrário do que a idade faria supor, tinha a impetuosidade dos combatentes mais jovens, saindo sozinho pelas picadas mais perigosas. Ainda era um menino.

"No tempo dos cubanos eles não gostavam de se adiantar. [E diziam:] 'Você é angolano, então vai adiante'. E eu pegava no meu 'cavalo' [o camião]. E se rebentava uma mina - 'tufas!' - outro é que apanhava", recorda.

Sobreviveu para contar aos mais novos os anos duros da guerra. "A última guerra que tivemos aqui [em Mbanza Congo] foi em 1999. Foi muito difícil, muito sangrento. Depois houve ataques [o último dos quais em 2012, pouco antes da morte do então líder da UNITA, Jonas Savimbi]", disse João Miguel.

"Em 1999, caramba! Aqui o padre enterrou muitos mortos. Foi muito mau", acrescentou, apontando para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, numa das poucas ruas da pequena cidade.

João Miguel diz que vai votar nas eleições gerais de 23 de Agosto próximo, mas não parece dar importância a quem pode sair vencedor.

A UNITA, de Isaías Samakuva, apostou forte na província petrolífera do Zaire, com várias acções de campanha e comícios. Samakuva teve uma recepção em festa na noite deste Sábado, com centenas de apoiantes a acompanharem a sua entrada na cidade de Mbanza Congo.

"Vou votar, sim. É melhor assim, que nós possamos escolher quem vai mandar", diz, sem emoção, João Miguel Donda. E quem acha que deve ganhar? "É pá? Para mim, quem ganhar é o pai. Quem ganhar é o Pai da Nação, para mandar em Angola", remata o veterano.

Mais de quatro décadas depois da independência, mais de 15 depois do fim da guerra (com a morte de Jonas Savimbi), os habitantes de Mbanza Congo ainda chamam, carinhosamente, "Menino 40 anos" a João Miguel Donda.

O passo rápido e o casaco amarelo ajudam a perceber o porquê, mas o ancião explica melhor: "com a idade a gente volta à infância, volta a 'menino'", diz João Miguel de fugida, sempre em passo rápido.

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