Ver Angola

Desporto

André Matias e Jean-Luc, a dupla angolana que remou em direcção ao Rio2016

Ambos nasceram em Luanda, mas é em Espanha que vivem actualmente. Jean-Luc iniciou-se no remo por iniciativa do amigo. André Matias, começou primeiro, e aos 18 anos foi o primeiro remador angolano a representar o país internacionalmente. Os remadores que, para além de partilharem o mesmo barco, partilham também a mesma paixão pela modalidade, carimbaram o passaporte para o Rio2016, e levam Angola, pela primeira vez, aos Jogos Olímpicos na modalidade de remo.

:

André e Jean Luc, falem-me um pouco sobre vocês... Onde nasceram, onde vivem actualmente...

André: Sou de Luanda e luso-descendente. O meu bisavô foi para Luanda em 1917, e a minha família nunca de lá saiu. Tenho 27 anos, e tenho estado a viver em Sevilha [Espanha], num Centro de Alto Rendimento, onde treinamos.

Jean-Luc: Nasci em Luanda, sou de origem malgaxe [Madagáscar], tenho 26 anos, e estive a estagiar e a viver desde Novembro 2015 em Sevilha.

Como conheceram a modalidade? Quando e como começaram a praticar?

André: Comecei quando tinha 16 anos. Aprendi a remar em skiff, na Baía de Luanda, e aos 18 anos fui o primeiro remador angolano a representar o país, numa regata internacional, os Jogos Pan-africanos, e fiquei em penúltimo lugar. Fiz a faculdade nos Estados Unidos da América, onde remei durante quatro anos.

Jean-Luc: Em 2010, o André convenceu-me a experimentar a modalidade, estava eu a estudar em Nantes [França]. Infelizmente, as condições no Inverno não me permitiram explorar o desporto na água. Em 2011 estive em Coimbra [Portugal], e comecei a praticar o remo, de maneira mais consistente.

Porquê o Remo e não outra modalidade?

André: Desde pequeno que nunca tive êxito nas outras modalidades. Tentei muitos, muitos desportos, mas nunca demonstrei grande habilidade. Sempre fui dos últimos a ser escolhido para as equipas de futebol, por exemplo. No início, também não tinha grande jeito no remo, mas entusiasmei-me rapidamente. Desde cedo treinei duro e senti-me a crescer, a tornar-me mais forte, e mais depressa do que pensei... Já não era aquele rapaz magro que ficava de fora das equipas!

O remo é um desporto que recompensa o trabalho puro e duro. Tornei-me tão competitivo nos treinos da universidade, ao ponto que cada remada que dava tinha de ser a minha última. Tive sempre que provar algo e estive sempre disposto a esforçar-me mais do que os outros. Quando tínhamos dias de descanso, eu era o único no ginásio a somar quilómetros na máquina de remo. Esta psicologia foi indispensável no meu trabalho e rendimento ao longo dos anos, e foi o que alimentou os meus futuros sonhos olímpicos.

Jean-Luc: Antes do remo, praticava ténis e futebol de maneira intensiva. Infelizmente, em França necessitava de um meio de transporte para poder praticar as duas modalidades e era impossível. O clube de remo, em França, estava localizado a 10 minutos a pé do meu apartamento, o que foi muito prático para mim.

O que vos motiva mais no Remo?

André: Desde que representei Angola pela primeira vez, nos Pan-africanos em 2007, que quis mais. Fui de penúltimo a quarto lugar em três anos. Em 2010, comecei a sonhar com os Jogos Olímpicos. Interrompi a faculdade e fui treinar sozinho, durante oito meses, na África do Sul. Foi uma grande aposta, e estava muito motivado, mas o meu sonho terminou com uma operação à anca direita. A recuperação foi muito dura, mas voltei à forma e acabei o curso. Logo quando estava bom, e a preparar-me novamente, tive o mesmo problema, desta vez na anca esquerda. Voltei a ser operado, mas saí do bloco operatório sabendo que já não tinha medo, e estava decidido a lutar pelo meu sonho.

Fui ao campeonato africano em 2013 com o Jean-Luc. Foi ai que a nossa aventura como dupla começou. Ganhámos a medalha de bronze, inesperadamente, e esta foi a minha primeira medalha e a primeira para Angola no remo. Depois disto, foram muitas mais que conseguimos juntos pelo nosso país. Mas o sonho olímpico motivou-nos a cada dia. Tivemos muitas derrotas no caminho para o Rio2016, mas estivemos sempre focados no nosso sonho, nunca deixámos de acreditar. 

Jean-Luc: O facto de estares sempre a puxar pelos limites do teu corpo, descobres as tuas capacidades, e todo o mundo está sempre a dar o máximo. 

Como é o Remo em Angola? Muito competitivo?

André: O remo deixou de existir pós-independência, e só voltou a reaparecer nos últimos 10 anos. Só temos um clube, o Clube Naval de Luanda, meia dúzia de barcos, e muito poucos praticantes. Não é competitivo, mas temos muitos jovens a descobrir a modalidade. Eles são o futuro.

Jean-Luc: O Remo em Angola ainda é muito novo. Já existia no tempo colonial, mas desapareceu depois da independência. Renasceu quando o André começou a representar o país nas provas internacionais, desde 2007, nos Pan-africanos. Por enquanto, só há um clube de remo em Luanda, então não é muito competitivo, mas acreditámos que outros clubes vão querer investir no remo no futuro próximo.

Quantas medalhas já ganharam e em que competições?

André: Já ganhámos várias, mas as mais importantes foram as três de bronze, em 2013 e 2015, e as duas de prata, que nos sagraram duplos vice-campeões africanos, em 2014. Também participámos no campeonato nacional português, no ano passado, onde fomos vice-campeões na nossa categoria. E destacamos o quinto lugar obtido, na nossa participação no campeonato nacional da Suíça, em 2014.

Jean-Luc: Na Europa, já ganhei algumas regatas locais como na Irlanda. Em Portugal, com o André, fomos vice campeões nacionais no duplo ligeiro, e ganhámos uma medalha de prata numa regata internacional, na Bélgica. Desde 2013, estivemos sempre no pódio no campeonato africano.

Qual a que ainda não ganharam mas ambicionam ganhar?

André: Ainda não fui campeão africano e gostava de ter sido, mas o apuramento olímpico foi a maior vitória, sem dúvida, e já me deixa descansado! (risos) 

Jean-Luc: Gostaria de ganhar um título nacional e africano, pelo menos.

Recomendariam o Remo, como desporto, a qualquer pessoa ou é necessário uma certa preparação?

André: Tendo sido operado às duas ancas, já não devo correr nem praticar desportos de impacto. O remo é o ideal, porque permite o exercício aeróbico sem ter grande desgaste nos joelhos, ancas, etc... Também é um desporto que pode ser praticado tanto fora como dentro, e hoje em dia já se notam mais máquinas de remo nos ginásios.

Jean-Luc: O remo é um desporto completo. Trabalhas os principais grupos musculares, e trabalhas o aspecto cardíaco, para poder alimentar com oxigénio esses músculos. É um desporto que exige muita força e resistência ao cansaço, mas um desporto perfeito para quem quer estar em forma a nível físico e fisiológico.

O que sentiram quando perceberam que iam representar o nosso país no Brasil?

André: Se tivesse tido um enfarte, morria feliz. (risos) Foi o momento mais eufórico da minha vida. Este era o meu maior sonho, a minha obsessão, e algo em que pensei quase todos os dias durante anos. Senti-me realizado, e é algo que vou levar comigo para o resto da minha vida. 

Jean-Luc: Senti-me muito feliz, foi um projecto onde pus de lado a minha vida pessoal durante cinco anos, e finalmente valeu a pena. É um orgulho poder representar o nosso país, no maior evento desportivo internacional.

O vosso principal objectivo era representar as nossas cores nos Jogos Olímpicos 2016?

André: O principal objectivo nestes últimos anos foi conseguir a qualificação olímpica. Foi preciso ser meio maluco para tal, e conseguimos contra todas as expectativas. No dia em que soubemos que tínhamos conseguido, ficamos imediatamente focados nos Jogos. Independentemente de quem está ao nosso lado, em qualquer corrida, damos sempre tudo. Cruzamos sempre a meta final, sabendo que a entrega foi total. O objectivo no Rio é continuar a fazer isso, dar o nosso melhor e conseguir um resultado respeitável, mas acima de tudo, é dignificar as cores do país!

Jean-Luc: O objectivo era a apuração para os Jogos do Rio 2016. O nosso novo objectivo será representar o país como deve de ser, ou seja, ter uma boa classificação comparado a outros países.

Como tem sido o vosso trabalho de preparação para os Jogos?

André: Duro. Os dias foram longos. Houve dias em que pensava que os Jogos estavam mesmo tão longe, que não ia aguentar o ritmo dos treinos. Chegava a porta de casa e mal conseguia subir as escadas. Grande parte da nossa preparação exige longas horas a remar a um ritmo cardíaco elevado, em que se sente a dor intensa e prolongada do cansaço nos músculos, a falta de ar nos pulmões. No ginásio temos exercícios em que levantamos muito peso, ou temos circuitos com muitas repetições. Tudo isto é muito desconfortável, e a primeira reacção do cérebro é de parar, porque a dor física é grande. Mas isto tudo é necessário quando se quer progredir e obter resultados. Os outros fazem o mesmo. A motivação supera as dificuldades. Temos um treinador britânico muito experiente, e seguimos o plano de treino religiosamente. Também trabalhamos com uma equipa de fisiologistas, que controlam o nosso progresso com base em testes feitos ao nosso sangue, e à nossa capacidade respiratória. Confiamos no processo.

Jean-Luc: Desde Novembro que estamos a estagiar no centro de alto rendimento em Sevilha, onde as condições para esta modalidade são perfeitas. O progresso a nível físico e técnico é enorme desde que estamos em Espanha.

Quais são as vossas expectativas para a grande competição?

André: Somos só 20 países apurados e vamos correr contra os atletas mais dotados do planeta. Há que ser realista quanto às expectativas, mas ao mesmo tempo confiar na nossa preparação. Vamos mostrar ao mundo o nosso espírito lutador.

Jean-Luc: Acho que há alguns países que podemos vencer nos jogos. Vai ser difícil, mas temos que acreditar e pensar positivo.

Galeria

Permita anúncios no nosso site

×

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios
Utilizamos a publicidade para podermos oferecer-lhe notícias diariamente.