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Ana Sofia Nóbrega: “Sentir-me-ei realizada quando deixar a natação num estado melhor do que aquele que eu encontrei”

Tem 25 anos e foi a primeira atleta angolana, a quebrar a barreira de um minuto, numa prova de natação. Ana Sofia Nóbrega, sonha com uma medalha num Campeonato Africano, e admite estar na sua melhor forma física de sempre. Defende que é necessário mais apoio, para os atletas que praticam modalidades individuais, mas acredita que “a natação em Angola está em processo de evolução”. Este ano, carimbou o passe para representar o nosso país, pela primeira vez, nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, vendo assim recompensado todo o esforço e dedicação à modalidade, que a atleta tem vindo a demonstrar época após época.

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Ana Sofia, fale-me um pouco sobre si. Onde nasceu e cresceu, que idade tem, os seus estudos...

Ana Sofia Azevedo Pinto da Nóbrega, tenho 25 anos e nasci em Vila Real, Portugal. Pouco depois de nascer, mudei-me para Luanda, onde o meu pai vivia, aliás ele nasceu em Angola. Cresci na Maianga, e fiz o ensino primário na Escola Portuguesa de Luanda. Quando a minha irmã mais nova nasceu, eu, a minha mãe e a minha irmã, regressamos a Portugal, onde dei continuidade aos estudos, e iniciei-me na natação de alta competição. Terminei o ensino secundário em Vila Real, e tirei a Licenciatura em Fisioterapia, no Porto, nunca deixando para trás os treinos.

O que representa para si a natação? É uma paixão? Com que idade começou a praticar?

Eu comecei a nadar por precaução, sempre gostei muito de água e de ir à praia. Uma vez os meus pais assustaram-se, numa praia perto de Luanda, na altura das calemas, então decidiram que estava na hora de aprender a nadar. O gosto pelo treino foi-se desenvolvendo, e hoje em dia já não sei viver sem a natação. É algo que faz muito bem à saúde e à cabeça...

Quais são os estilos que pratica na natação?

Os meus melhores estilos são mariposa e crawl. Tenho melhores pontuações em provas rápidas, 50 e 100 metros, e provas de meio fundo, 200 metros. Mas acabo por nadar quase todos os estilos e distâncias, quando significa ajudar a equipa ou selecção, a fazer melhores pontuações. Tenho recordes nacionais, a quase todos os estilos e distâncias, menos no estilo de bruços, pois devido a uma lesão no joelho, não posso nadar este estilo.

Relativamente aos treinos, como é a semana da Ana Sofia?

A semana de treinos é muito preenchida. Treino duas vezes por dia, com excepção de Quarta-feira, que só treino à tarde, e de Domingo que é dia de folga, e aproveito para estar com a família e amigos. Ou seja, tenho 11 sessões de treino semanais, com uma carga horária entre três horas e meia e quatro horas cada, divididas em musculação, treino físico fora de água, e treino dentro de água. Em altura de preparação para uma competição, ou seja, nos dias que antecedem uma competição realmente importante, o número de treinos diminui para termos mais descanso.

Já conquistou recordes nacionais e foi medalhada diversas vezes. De todas as vezes que subiu ao pódio, qual foi a mais marcante, para a sua carreira como nadadora profissional?

O pódio mais marcante que eu tive, foi a primeira vez que subi ao pódio, pela Selecção Nacional, no Campeonato Zonal na Zâmbia. Nesta competição ganhei cinco medalhas, e fui ainda considerada a melhor atleta feminina em competição. Foi um orgulho enorme. Mas mais importante do que medalhas, são também as marcas, nunca irei esquecer o momento em que fui a primeira atleta angolana, a quebrar a barreira de um minuto numa prova, a prova dos 100 livres.

A que pódio ainda não subiu, mas gostaria de subir? E qual é o seu próximo objectivo desportivo?

Gostar, gostar, gostaria de subir ao pódio nuns Jogos Olímpicos, e assim tornar-me numa das nadadoras mais rápidas do Mundo... Mas, mais realisticamente, gostaria de conseguir alcançar uma medalha num Campeonato Africano de Natação. Considero este o meu próximo objectivo desportivo, visto que estou na minha melhor forma de sempre, e que o Campeonato Africano se realizará este ano em Outubro, em Bloemfonteim, África do Sul.

Até agora, como avalia o seu percurso como atleta de natação?

O meu percurso tem sido positivo, talvez por já ter entrado tarde para a natação, tinha eu nove anos, estou a conseguir melhorar o meu desempenho desportivo, todos os anos. Aos 25 anos, posso dizer que estou na melhor forma desportiva de sempre. Sofri algumas lesões, mas nenhuma delas limitou a minha prática desportiva, portanto dei sempre a volta por cima, e saí ainda mais forte.

Quais são as maiores dificuldades que enfrenta na natação feminina?

Neste momento, acho que as maiores dificuldades estão dentro da nossa cabeça. É claro que, sendo rapariga, há sempre imensas alterações hormonais, e é muito mais difícil manter ou perder peso e a forma física, mas o meu pensamento é, se as melhores do mundo conseguem, porque é que eu não hei-de conseguir?!

Actualmente, como é a natação no nosso país? Há apoios para os competidores?

A natação em Angola está em processo de evolução. É necessário haver uma maior aposta na modalidade, tanto na formação como na alta competição. Podemos notar que cada vez mais nos aproximamos dos países africanos, com melhores resultados. A diferença é que, os atletas nesses países, têm mais apoio, podendo concentrar-se unicamente em tornarem-se melhores atletas. Neste momento, se não fosse a minha família a suportar os meus custos, eu não estaria em condições de representar Angola a este nível. O atleta que também tem um emprego, não é muito compatível, devido ao elevado número de treinos. Desta forma, e não tendo apoios de patrocinadores, consegui-me manter na modalidade com a ajuda dos meus pais, familiares e clubes. O que não é fácil, mas infelizmente é assim a realidade do país, quando estamos fora dos desportos colectivos, o atleta profissional ainda não existe...

Como surgiu a oportunidade de nadar por Angola? O que significa para si representar as nossas cores?

A oportunidade surgiu quando houve uma proposta, do Clube Desportivo 1.º de Agosto, para começar a representar a equipa em provas nacionais. Nessa altura eu estava em Portugal, e o clube disponibilizou-se a suportar as deslocações. Como o meu pai continua a viver em Luanda, o alojamento não era problemático, portanto comecei a ir aos campeonatos nacionais, comecei a bater imensos recordes, alguns que já tinham bastantes anos, e daí surgiu a oportunidade de representar a selecção no Campeonato Zonal, na Zâmbia, que foi um sucesso. A partir daí, comecei a ser uma presença habitual em todas as selecções absolutas, cada vez evolui mais, e nestes últimos quatro anos fui, constantemente, a melhor atleta angolana, culminando nesta convocatória para a maior prova do mundo, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Prefere competir em Angola ou lá fora? Porquê?

É difícil responder a esta pergunta. Gosto sempre de competir em casa, é sempre bom sentir o apoio e o carinho angolano. Adoro também quando consigo servir de exemplo, para os nadadores mais novos, que vêm ter comigo e fazer perguntas sobre os treinos e as competições. Por outro lado, fora de Angola encontro um nível competitivo que não encontro em Luanda. Gosto de competir em Portugal, pelo nível de exigência, não só em competição, mas também a nível de treino. Resumidamente, eu gosto de competir e superar os meus limites, seja onde for. Enquanto houver uma pista há uma hipótese...

A Ana Sofia é representante da selecção nacional Angolana, do Ginásio Clube de Vila Real e do Clube Desportivo 1.º de Agosto. Como consegue conciliar as competições?

Com a ajuda e compreensão dos treinadores dos dois clubes, e dos responsáveis da Federação Angolana de Natação [FAN]. Tentamos fazer o melhor para todos. Por vezes é difícil e então temos que ter prioridades. As competições pela selecção são sempre prioridade, nunca falhei nenhuma convocatória. Depois estão os campeonatos nacionais em Angola e em Portugal. Normalmente não coincidem, portanto dá para conciliar. Por último estão os meetings, regionais e torneios.

Este ano irá representar, pela primeira vez, o nosso país nos Jogos Olímpicos. O que sentiu quando percebeu que ia participar no Rio2016? E qual é a sua expectativa?

Não vou mentir, era algo que já estava à espera, pois mantive-me em excelente forma durante todo o ciclo olímpico, participando em quatro mundiais, dois de piscina curta e dois de piscina olímpica, nos Jogos Africanos, em diversas etapas da Taça do Mundo e Campeonatos Zonais. Ainda assim, enquanto não tive a confirmação da minha presença, andava com o coração nas mãos! Do dia 5 a 8 de Julho, datas em que estava previsto a recepção do Convite da FINA [Federação Internacional de Natação], foram dias muito stressantes, vividos com muita ansiedade. Sempre a olhar para o telemóvel a espera de receber novidades, noites mal dormidas. O dia que recebi a notícia acho que foi dos mais felizes da minha vida, nem queria acreditar. Não contei a muita gente logo de imediato, pois tinha medo de não ser bem verdade, mas depois acabei por contar. Foi um momento muito feliz. É uma responsabilidade enorme, pois vou representar todos os nadadores angolanos na maior competição do mundo, mas sei que vou dar o meu melhor pela nossa bandeira.

Por último, tem planos para o seu futuro dentro de água? Qual é o seu maior sonho como nadadora profissional?

Neste momento, o meu foco está direccionado apenas para os Jogos Olímpicos. Depois focar-me-ei no Campeonato Africano, para o qual já obtive os mínimos de participação. Gostaria de terminar o ano civil com uma participação no Campeonato do Mundo de piscina curta, em Windsor, Canadá. Sentir-me-ei realizada quando deixar a natação num estado melhor do que aquele que eu encontrei.

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